A Velha da Cabana - Natanael Otávio



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natanael Otávio ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.


A Velha da Cabana


Natanael Otávio


Foi meu avô quem me contou que quando tudo aqui e em volta e até onde os olhos enxergam a vastidão de uma cidade era floresta, camuflada, uma cabana existia solitária assim como a velha que habitava dentro dela e guardava consigo o desejo de voltar para sua antiga casa onde deixou os quadros que pintou e recuperar uma inacabada tela.
Por medo de assombração era que a velha artista lá não voltava.
Foi por acaso que certa vez passando por ali meu avô a encontrou. Não querendo me alongar, tomo emprestado as palavras, apenas as necessárias para que a história caminhe, das bocas dele e da velha:
– Meu jovem, você tem medo de assombração?
– Não. Pois elas não existem.
– Se eu lhe disser que elas existem e que fui assombrada por três fantasmas, um homem, uma mulher e uma menina, até que eu deixasse a minha antiga casa, ainda assim você não teria medo?
– Não teria.
 – Encontrei o destemido! Você vai até à casa mal assombrada e me traz a tela que não terminei de pintar. Não é um favor, pois você poderá ficar com as telas terminadas. Se quiser poderá vendê-las. Aceita o trato?
– Estou mesmo precisando de uns trocados para os estudos. Onde fica essa casa?
A velha lhe deu o endereço. E foi lá que, ainda jovem e destemido, meu avô bateu palmas e foi recebido por um homem, uma mulher, uma jovem e um menino.
Para resumo de conversa:
– Vocês não me parecem com fantasmas.
– Como assim? – questionou o homem.
Meu avô relatou o encontro que tivera com a velha na cabana.
– Pera aí, esses quadros estavam por toda casa quando chegamos aqui – contou a jovem.
– Lembro! A casa pertencia a uma senhora viúva. Quando ela faleceu, os filhos nos venderam a casa com tudo dentro, inclusive os quadros – explicou a mulher.
– Você disse: “Quando ela faleceu” – assustou-se meu avô. – Então a velha é um fantasma! E é provável que ela não saiba disso e que permanecera na casa por apego aos quadros e principalmente pelo quadro inacabado.
– Sim. E quando aqui chegamos, ela achou que nós fossemos os fantasmas – concluiu a jovem. 
– Só uma coisa não está batendo: ela disse que vocês eram três.
– É que na época, nós não tínhamos o Júnior – lembrou a mulher.
– Agora tudo faz sentido. Mas onde estão os quadros? Preciso os levar até ela. Se vocês permitirem, é claro, pois compraram a casa com tudo dentro.
– Estão encaixotados no porão – disse a mulher –, nós não tínhamos mesmo intenção de ficar com os quadros. Pode entregar a tal mulher ou fantasma, sei lá...

Com um espaço na narrativa, desses que faz com que a história caminhe, agora meu avô está novamente com a velha na cabana. Achando por bem, não explicar o mistério que descobrira, ele a entregou as obras, eram todas de paisagens, algumas rurais com casas e casebres cercadas por árvores, bichos e rios, outras urbanas com casas e prédios. Ela pegou apenas a tela inacabada onde uma casa grande dividia o espaço com uma pequena cabana ao longe.
– Os outros quadros são seus, meu jovem, como combinado – ela estava contente por ter recuperado a obra inacabada.
– Obrigado, minha senhora! – Agradeceu, meu avô.
– Me responda, meu jovem, os três fantasmas ainda estão na casa?
– Sim. Agora eles são quatro – disse meu avô, já na despedida.
A velha ficou aterrorizada e ao mesmo tempo admirada com a sua coragem.
Perguntei se ele havia vendido todos os quadros, ele disse que nem todos, alguns permaneciam enfeitando as paredes de sua casa. Só então me dei conta de que os quadros de paisagem urbanas e rurais das paredes da casa de meu avô eram os mesmos da história que me contou.

***

Nós não vemos, mas diz a lenda que a velhinha permanece dentro dos quadros inacabados.



Comentários

  1. Gostei. Enredo interessante, original.

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  2. Foi bem engraçada a confusão da véia kkk tem gente que morre e não percebe, mas é normal.

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    1. Obrigado Marcão pelo feedback! É importante pra gente esse diálogo com o leitor. Abraços!

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