Alguém no Banheiro - Ed Celente



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Ed Celente ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.


Alguém No Banheiro


Ed Celente

“— Diz-se que aqui, nesse exato quarto onde estamos, muitos anos atrás, – e por aqui entende-se dois séculos – foi derrubado uma das maiores construções que essa cidade já viu. Conhecida como a maior senzala do Brasil, estamos hoje em cima de corpos de muitos escravos que um dia construíram nossa história. Aqui, também, teve o maior massacre da história do país desde a colonização portuguesa.
Meus pais contaram-me que, certo dia, estavam visitando esse museu e minha mãe precisava ir ao banheiro. Quando chegou lá, deparou-se com uma mulher deitada no chão, totalmente inerte. Ela era negra, tinha o cabelo bagunçado e o corpo cheio de marcas de machucados. Quando minha mãe virou as costas para pedir ajuda, ela simplesmente sumiu e nunca mais foi vista. As câmeras de segurança não relatam nenhuma mulher com esses aspectos naquele dia.”
Maria, que sempre foi incrédula, não queria saber dessas mentiras turísticas para vender história para transeuntes. Preferia a vida pacata do interior do que o movimento selvagem da cidade grande.
Foi ao museu coletar dados para sua pesquisa acadêmica, mas preferia ter ficado em casa com toda a chuva de novembro que rolava lá fora. Já não aguentava mais as baboseiras que o guia falava e, honestamente, só queria voltar pra sua rotina.
Continuou o passeio e, passando em frente ao toilette, não hesitou em entrar para aliviar a tensão que concentrava-se ali desde o almoço.
Fechou a porta do reservado e ficou olhando as pichações na madeira. Sempre achara engraçado como as pessoas tinham criatividade para inventar as coisas.
Olhou para o chão e viu uma gota vermelha no piso (quase) branco. Imediatamente praguejou, mas contestou que ainda não estava “naqueles dias”. Contudo, a gota no chão estava fresca e com tom metálico. E agora, parecia estar maior do que antes.
Maria não queria olhar para cima, apesar de saber que enxergaria apenas o teto. O sono estava deixando-a impressionada. Levantou-se de súbito e foi lavar as mãos. Não iria encarar sua imagem no espelho, já conhecia-a muito bem.
Virou-se novamente para verificar que tudo estava bem e normal, para sua não surpresa.
Decidiu voltar ao reservado que estava para confirmar o que estava na porta: “ela ainda está aqui” e, mais abaixo “não clame por ela”. Sabia de quem falavam, mas não acreditava nisso.
– Se você realmente existisse, Anastácia, já teria dado provas disso – e saiu do privado.
Uma mulher adentrou o banheiro com ar frio e calmo, deixando Maria perplexa.
Pacientemente a mulher trancou a porta e aproximou-se do espelho. Maria pediu que ela abrisse a porta, mas ela ignorou.
Quando a mulher chegou ao espelho, sua imagem não refletia completamente. Ela retirou sua camiseta e exibia marcas de sangue em suas costas. Olhou para Maria e, com uma voz rouca, disse:
— Jamais duvide da história do seu chão.
Desse modo, Maria virou apenas mais uma para a história que mancha as paredes de nossos prédios.

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