Formigas Me Mordam! - Ed Celente
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Ed Celente ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Formigas Me Mordam!
Ed Celente
‒ Negro imundo e preguiçoso! ‒
esbravejava o homem, vermelho de tanta raiva. ‒ Tu sabes o que tu acabastes de
fazer? Fizestes-me perder um de meus melhores cavalos! Tudo por conta deste teu
sono.
Antônio
estava enfurecido. Cuidava melhor de seus cavalos do que de seu próprio filho
e, ainda assim, havia deixado um de seus cavalos fugir por incompetência de Joaquim,
seu escravo mais novo.
‒
Tu vais pagar-me, negro. Se tu não sabes pastorear, vais aprender na marra ‒
continuou o homem. ‒ Chamem Alfeu aqui!
Em
poucos minutos o carrasco do estancieiro chegou com a chibata na mão, pronto
para fazer o trabalho sujo de seu patrão. Mariana, esposa de Antônio, havia
vindo junto para conferir o que estava acontecendo.
‒
Senhor, em que posso lhe ser útil? ‒ perguntou Alfeu.
‒
Mariana, quantos cavalos tínhamos? ‒ perguntou Antônio, ignorando seu carrasco.
‒
Trinta, meu senhor ‒ respondeu a esposa. ‒ Perdestes Baio.
O
estancieiro, então, ordenou que amarrassem Joaquim ao tronco e lhe dessem
sessenta chibatadas, duas por cada cavalo que ele expôs ao perigo por seu sono.
Dirigiu-se ao andar superior da casa e sentou-se na sacada, onde podia avistar
o negro levando seu castigo.
Assim
cumpriu-se: o negro foi amarrado ao tronco no meio do pátio com um calor
escaldante e o sol queimando o que restava de sua dignidade.
Uma
chibatada. Duas chibatadas. O negro não demonstrava reação, estava exausto do
trabalho. Preferia a morte do que continuar ali.
Dez
chibatadas e suas costas estavam ardendo, sangrando. O carrasco ordenou para
que fosse trazido o alguidar que havia sido preparado para o ato. A peça foi
trazida e, dentro, encontrava-se salmoura para Joaquim.
Vinte
chibatadas e o carrasco jogou um pouco do preparado no negro. Joaquim
contorceu-se de dor e perdeu os sentidos. Continuava sendo açoitado, mas já não
estava mais em estado físico e mental para sentir qualquer dor que fosse além
daquela maldita salmoura.
Quando
Alfeu terminou o serviço, o negro ainda estava vivo, mas não reagia a qualquer
contato e não respondia aos chamados de seu estancieiro.
Antônio,
então, ordenou que o corpo do negro fosse depositado em um formigueiro que
estava na entrada da fazenda para alimentar as formigas. Essas regozijaram-se
com o banquete e, imediatamente, atacaram o corpo.
A
noite caiu e todos na fazenda ‒ e na senzala ‒ recolheram-se para mais um dia
de trabalho árduo. A fazenda ficou em um silêncio sepulcral. Nem um único ser
vivo ousava fazer um barulho sequer após a passagem de um escravo, ainda mais
um tão novo.
Mas,
para a surpresa de todos, o relinchar fez-se alto e tomou conta da fazenda. O
estancieiro, enfurecido por ter seu sono interrompido, saiu para conferir quem
ousava perturbar em meio a madrugada. Para seu espanto, Baio estava parado no
meio da fazenda, no local onde Joaquim havia sido açoitado.
Mas
Baio estava acompanhado: Joaquim estava montado nele, acompanhado por Nossa
Senhora. Alfeu, que também viera conferir o que estava acontecendo, ajoelhou-se
aos pés da Imaculada e pediu perdão, o qual foi concedido por ser apenas um
instrumento de seu patrão.
‒ Tu, Antônio ‒ começou Maria. ‒ A
vida das pessoas é menos valiosa para ti do que um de teus animais. Por isso,
estás condenado a viver o resto de tua medíocre vida sozinho, sem que ninguém
aguente estar na tua companhia ‒ disse ela. Virando-se para o negro, terminou ‒
Sê livre, garoto. É tua hora de descansar.
Joaquim, em cima de Baio, saiu a
correr pelos campos e lavouras, onde corre até hoje com a sua luz para ajudar
as almas em suas travessias.
Já Antônio, que havia traçado seu
destino da pior maneira possível, padeceu com a peste: perdeu seus animais, seu
algoz, sua fazenda e sua família. De estancieiro, agora era empregado em uma
fazenda vizinha. Não tinha mais posses, nem dinheiro e, muito menos,
felicidade.
Uau moço! De ti esperava um pouco mais de sangue, mas esta história tão cura como é já deixa alguma marca! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, bem!! haha
ExcluirTô treinando meu lado menos psicopata para não ter (muito) sangue haha
Bem feito para o cara!
ResponderExcluirComo dizemos: "quem procura, acha!". Obrigado pelo comentário!
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