A Floresta dos Pinhais - Natasja Haia


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natasja ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



A Floresta dos Pinhais

Natasja Haia


O grunhido feito pelas botas do meu avô ao pisar o piso de madeira se mistura ao som dos bichos da noite, é possível ouvir o murmurinho dos nossos antepassados. A noite tarda mas finda, assim como na bíblia a alegria vem pela manhã, o cheiro de café e bolo fresco se espalha pelas frestas acordando as crianças. Logo se escuta seus pés velozes tocarem correndo as escadas. O inverno traz com a neblina os segredos encobertos, se formos espertos ouviremos o aviso e sairemos ilesos da fúria dos espíritos das trevas.

   Eu tenho onze anos, meu avô oitenta. Ele costuma dizer que sou um menino sábio, que sei muito mais que os garotos da minha idade. Todo fim de tarde sento com ele ao redor de uma fogueira, escuto sobre a história de nossa família e as lendas da nossa cidade. No total somos sete netos, sou o mais velho, por isso costumo tomar conta dos meus primos quando não há adultos por perto. De manhã cedo meu avô sai pra caçar, minha avó vai ao pequeno centro da cidade comprar mantimentos e tecidos, então nas manhãs após o café costumamos explorar a floresta de pinhais. A vida aqui costumava ser boa apesar de monótona. É um bom lugar para crescer.

   Tudo mudou após a festa dos Cocais, uma festa pagã que ocorre todo ano, na qual são oferecidas aos espíritos perdidos o povo, a dança, as melhores iguarias produzida pela população local e os recém nascidos que ficam em cestos formando um círculo até que acabem os festejos. As crianças começaram a adoecer, outras a enlouquecer, nenhum médico conseguia descobrir o que elas tinham. A cidade foi ficando cinza, por onde se passava era possível escutar gemidos e gritos finos. As vezes, algumas delas ficavam na janela, estáticas, rosto arroxeado , olhos vidrados. Não havia mais turistas. Estranhamente nossa catedral foi tomada pelas chamas, o pároco assustado resolveu ir embora. Meus primos também adoeceram, por algum motivo eu permaneci sã, passei a ir caçar com meu avô pela manhã e durante a tarde fazia compressas em meus primos com a minha avó. Eles deliravam de febre.

   Meu avô, muito preocupado, começou a resmungar pelos cantos da casa “ O que eles querem?” , “ Por que não nos deixam em paz?” em seguida adentrava pela floresta em busca de resposta. Durante a madrugada ele mergulhava em seus livros e nas anotações feitas por nossos antepassados. Certa manhã chegou até mim com a resposta, a salvação.

“ Eles querem o primogênito das crianças, aquele que está mais próximo de completar doze anos”. Falou com olhar cabisbaixo.

“Sou eu, vô. Mas o que deve ser feito?”

“ Nada. Nada será feito.” Ele falou segurando firmemente com as duas mãos o meu rosto.

No dia seguinte não fui o único a levantar, meus primos estavam milagrosamente radiantes, correndo como se nada tivesse acontecido. Corri feliz para contar a meu avô, quando nossos olhos se encontraram pude perceber, já não era mais o meu avô.

 


 

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