A Floresta dos Pinhais - Natasja Haia
A Floresta dos Pinhais
Natasja Haia
O grunhido feito pelas botas do meu avô
ao pisar o piso de madeira se mistura ao som dos bichos da noite, é possível
ouvir o murmurinho dos nossos antepassados. A noite tarda mas finda, assim como
na bíblia a alegria vem pela manhã, o cheiro de café e bolo fresco se espalha
pelas frestas acordando as crianças. Logo se escuta seus pés velozes tocarem
correndo as escadas. O inverno traz com a neblina os segredos encobertos, se
formos espertos ouviremos o aviso e sairemos ilesos da fúria dos espíritos das
trevas.
Eu tenho onze anos, meu avô oitenta. Ele costuma dizer que sou um menino
sábio, que sei muito mais que os garotos da minha idade. Todo fim de tarde
sento com ele ao redor de uma fogueira, escuto sobre a história de nossa
família e as lendas da nossa cidade. No total somos sete netos, sou o mais
velho, por isso costumo tomar conta dos meus primos quando não há adultos por
perto. De manhã cedo meu avô sai pra caçar, minha avó vai ao pequeno centro da
cidade comprar mantimentos e tecidos, então nas manhãs após o café costumamos
explorar a floresta de pinhais. A vida aqui costumava ser boa apesar de
monótona. É um bom lugar para crescer.
Tudo mudou após a festa dos Cocais, uma festa pagã que ocorre todo ano, na
qual são oferecidas aos espíritos perdidos o povo, a dança, as melhores
iguarias produzida pela população local e os recém nascidos que ficam em cestos
formando um círculo até que acabem os festejos. As crianças começaram a adoecer,
outras a enlouquecer, nenhum médico conseguia descobrir o que elas tinham. A
cidade foi ficando cinza, por onde se passava era possível escutar gemidos e
gritos finos. As vezes, algumas delas ficavam na janela, estáticas, rosto arroxeado
, olhos vidrados. Não havia mais turistas. Estranhamente nossa catedral foi
tomada pelas chamas, o pároco assustado resolveu ir embora. Meus primos também
adoeceram, por algum motivo eu permaneci sã, passei a ir caçar com meu avô pela
manhã e durante a tarde fazia compressas em meus primos com a minha avó. Eles
deliravam de febre.
Meu avô, muito preocupado, começou a resmungar pelos cantos da casa “ O
que eles querem?” , “ Por que não nos deixam em paz?” em seguida adentrava pela
floresta em busca de resposta. Durante a madrugada ele mergulhava em seus
livros e nas anotações feitas por nossos antepassados. Certa manhã chegou até
mim com a resposta, a salvação.
“ Eles querem o primogênito das
crianças, aquele que está mais próximo de completar doze anos”. Falou com olhar
cabisbaixo.
“Sou eu, vô. Mas o que deve ser feito?”
“ Nada. Nada será feito.” Ele falou
segurando firmemente com as duas mãos o meu rosto.
No dia seguinte não fui o único a
levantar, meus primos estavam milagrosamente radiantes, correndo como se nada
tivesse acontecido. Corri feliz para contar a meu avô, quando nossos olhos se
encontraram pude perceber, já não era mais o meu avô.
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