As Ondas do Desconhecido - Morphine Epiphany


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



As Ondas do Desconhecido

Morphine Epiphany


*Conto inspirado no quadro The Lovers (Os Amantes) de René Magritte

Com os olhos cerrados, Anna deitou-se na areia. O vento enfraquecido a tocava de forma arrepiante. Era o entardecer de um dia comum. A praia estava vazia e apenas os batimentos do coração de Anna e as ondas um pouco agitadas, tornavam aquele cenário vivo.
Estava quase adormecendo, mas era facilmente interrompida pela leveza das oscilações em seu vestido branco. O vento ganhava força. A mulher sentou-se, enquanto tocava os grãos de areia. Possuía uma face melancólica. Seus olhos ficaram hipnotizados com os movimentos das ondas. Mesmo com a sua quietude interna, a existência parecia querer puxar-lhe para as vibrações exteriores.
Uma figura masculina trajando um terno preto e com os pés descalços surgiu bem próximos as ondas. O homem molhou os pés e caminhou na direção da areia. Não era possível ver o seu rosto, ele andava com um lençol cobrindo toda a sua cabeça. Apesar do lençol, ele conseguia caminhar sem errar a direção. Parecia conduzido pela intuição.
Intrigada, a mulher olhou para aquele homem. Levantou-se e começou a segui-lo pela praia. Por um momento, percebendo a presença dela, ele ficou estático. Virou-se e se deparou com Anna. Ela o olhou com curiosidade e perguntou:
Por que esconde o seu rosto?
Ele permaneceu calado. Anna podia sentir os olhos dele encarando-a. O lençol não conseguia encobrir toda a alma.
A quietude durou minutos e somente as ondas conversavam. O homem tocou o rosto de Anna rapidamente e uma vibração desconhecida despertou memórias confusas em sua mente. Assustado, ele se afastou. Enquanto, ela pensava nas imagens que surgiram após aquele toque, o homem desapareceu.
                                             **********
As tardes permaneciam moderadas, Anna sempre se deitava na areia e aguardava o homem de terno retornar. Todas as noites, ele surgia em seus sonhos. O cenário se alterava e a Lua se tornava a única testemunha daqueles encontros. Ela o seguia e quando o lençol estava prestes a cair de sua face, o sonho era interrompido.
                                            *************
Um gélido sopro roubou o sono de Anna. Ela se ergueu e limpou o vestido sujo de areia. Olhou na direção do mar e lá estava o homem. A noite se aproximava. O homem caminhou na direção da mulher. Segurou a mão dela e a conduziu. Os dois andaram até o extremo da praia, as ondas ficaram agressivas e o céu se vestia de escuridão.
O homem soltou as mãos dela e voltou a tocar-lhe o rosto. A agressividade das ondas causava calafrios, o céu ganhava um tom infernal e um sussurro doloroso penetrava seus ouvidos.
Tenebrosa era a vibração daquele homem. As águas ficaram vermelhas, ele se afastou e seguiu na direção de outra mulher. Ela estava deitada na areia, com um vestido vermelho e o rosto coberto por um lençol.
O homem a levantou, segurou sua mão e ambos andaram até as águas. Pausadamente, o mar foi encobrindo as duas figuras. Anna os chamou, procurou, se atirou nas águas, mas eles haviam desaparecido.
                                      **************
As imagens daquele casal não esvaneciam dos pensamentos de Anna. Atormentadas eram as noites, com pesadelos tomados pelo sangue. Quando ela acordava, o dia simplesmente havia se tornado uma poeira. Uma exaustão tomava conta de seu organismo.
Ela se esquecia de comer, executar qualquer tarefa. Parecia aprisionada em uma névoa de pesadelos.
Uma noite, o sono começava a roubar sua energia. A janela aberta trazia o frio para suas entranhas. Seus olhos pesavam, mas o vulto daquele homem a observando na janela, se transformou em adrenalina para seu corpo. Ergueu-se e saiu correndo até a janela. O homem estava lá, envolto pelo lençol.
Ele fez um gesto a convidando. Ela saiu vestindo sua camisola branca e descalça. Ela o seguiu até as ondas. O frio congelava a humanidade de seus ossos. Quando olhou ao redor, o homem não estava mais lá. Uma lancinante dor percorreu sua coluna, ela fechou os olhos e ao reabri-los o homem estava ajoelhado na areia. Tentou se aproximar dele.
Tomado pelo ódio, o homem agarrava o pescoço da mulher e empurrava sua cabeça no mar. Havia morte nos olhos dela e a incontrolável raiva nos dedos dele, deixaram Anna sem reação. Era a mulher vestida de vermelho, seu rosto estava coberto pelo lençol, enquanto o homem a afogava.
A angústia teve pouca duração. O mar pintara-se de sangue, a mulher beijara as sombras. Ele arrancou o lençol da cabeça da figura e quando o rosto foi revelado, o terror se apoderou de Anna. O seu rosto era igual ao rosto de Anna. Sua camisola foi mudando de cor. Vestida de escarlate enquanto a asfixia roubava sua respiração. Anna ficou desfalecida na areia.
                                             *************
Anna despertou. Já não conseguia ver a praia nitidamente. Seu rosto estava coberto por um lençol que grudara em sua alma.
Sentiu um toque familiar em suas mãos. O homem a levantou, os dois andaram perto das ondas. Ele a abraçou e apaixonadamente, se beijaram. Ela sentia os lábios da morte através do lençol. A escuridão em seu terno e o sangue no vestido dela. Ambos com suas faces cobertas sem vibração em seus corpos. Apenas, duas almas oscilando pelo desconhecido.

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