Vilarejo Norueguês - Natasja Haia
Vilarejo Norueguês
Natasja Haia
Morávamos
em uma espécie de vilarejo esquecido, na Noruega, por essas redondezas é tudo,
quase sempre, cinza e frio, a neve é a mais presente companhia. Em 1845, cinco
jovens foram mortos misteriosamente, poucos dias depois, seus corpos foram
roubados de seus túmulos. O caso, até hoje, é relatado pela vizinhança e o
crime nunca foi solucionado.
Agora, não
resido mais nesse bairro, mas todos os dias percorro uma pequena estrada, de
carro, para ir trabalhar no museu de Loen, localizado nesse velho vilarejo.
Enquanto espero minha caneca ser servida pela máquina de café, observo um dos
painéis do museu, nele constam recortes de jornais, retratos das vítimas, fotos
dos memoriais construídos sobre os túmulos roubados. Recentemente, a universidade de História,
Direito, Ciências e Medicina da Noruega resolveu desarquivar o caso, nas
últimas semanas, há muitos estudantes rondando por aqui. Parece ser um grande
trabalho acadêmico em conjunto.
Quase todos
os dias, olho o rosto desses cinco jovens eternizados, por um instante de flash,
que os tornou perpétuo em um pedaço de papel mofado pregado no mural de um
museu escondido e esquecido. Não tenho o trabalho dos sonhos, mas não há muito
o que fazer quando se nasce em lugar nórdico, a não ser seguir a paralisia do
frio, em uma história pré-determinada. Por mais triste que possa parecer, acontecimentos
como esse costumam dar vida e movimento ao lugar.
O
inesperado ocorreu, fui convidada por um grupo de estudantes a guiá-los e
auxiliá-los nas excursões e pesquisas. Os dias foram passando, os papéis sendo
desengavetados, lidos e relidos, os últimos dias daqueles jovens refeitos, o histórico
de moradores locais daquela época levantados. Nada encontrado. É cômico como às
vezes o trabalho árduo leva ao nada, e, de repente, num golpe de sorte, o
caminho certo é encontrado.
Em uma
excursão extracurricular um dos estudantes acabou escorregando em um barranco. Um
problema havia sido gerado. Esse barranco ficava após placas de aviso “material
tóxico”. Alguns anos atrás, ali funcionava uma fábrica que utilizava material radioativo,
devido a um acidente esse material se espalhou pelo solo e vegetação local, a
fábrica foi desativada e após muitos monitoramentos o acesso limite disponível
foi demarcado.
Não havia
muito o que fazer, nosso grupo precisava descer para ajudar o estudante que
provavelmente tinha quebrado a perna. Descemos, arrumamos um pedaço de pau,
utilizamos nosso quite de primeiros socorros e imobilizamos a perna fraturada. Seria
muito complicado subirmos o barranco carregando alguém, então resolvemos contornar
a área, afinal, já estávamos expostos.
Não
podíamos imaginar o que encontraríamos após essa decisão. Acredite, as vezes, é
melhor carregar o peso e subir um barranco. Não foram necessários muitos passos
para que eu, o estudante com a perna imobilizada que apoiava um dos braços em
mim e uma outra estudante de história que segurava o rapaz machucado pelo outro
lado, caíssemos em direção ao mais inesperado dos fatos.
Foram
alguns segundos escorregando por um buraco que mais parecia um túnel, frio e
úmido. Ao chegar lá embaixo, mal podíamos acreditar no que nossos olhos estavam
presenciando. Aquele vilarejo cinza, de casas velhas e carros antigos escondia
um submundo, rico, com mármores, vidros e espelhado. Agora, nos apoiávamos uns nos
outros, sem entender aquilo que estava acontecendo, tontos com as luzes
refletidas pelos espelhos. Era um labirinto espelhado, do qual provavelmente
nunca mais sairíamos. Mais a frente, encontramos! Os cinco jovens submersos em
uma espécie de tanque de água individual, ligados a um aparelho que aparentava
ser um respirador. Quando uma voz
robótica feminina falou:
“Bem vindos
ao Submundo! O ritual começou em 1845 e está prestes a terminar. Esses jovens voltarão
a vida e vocês ocuparão os seus lugares. Cuidado ao escolher um caminho. Para
alguns não haverá volta”.
Olhei para
os lados e todos estavam estáticos, magnetizados pelos corpos voltando a vida,
pelos olhos abrindo. Eu comecei a correr sem olhar para trás. O mundo ao redor
era uma mera inexistência, eu podia sentir até o caminho que meu sangue percorria
pelo meu corpo, do coração aos pulmões, enxergava minhas sinapses fazendo novas
conexões, escutava meu pingo de suor encostar no barro frio. Meus dedos
cravavam com força nas escavações do túnel de barro. Quando, enfim, saí da armadilha,
puxei o ar profundamente como se nunca tivesse respirado antes. Sobrevivi.
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