Controle - Ed Celente



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Ed Celente ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.


Controle


Ed Celente


            Orfeu era um jovem muito dedicado, filho de Apolo com a musa Calíope, nunca decepcionava quem passasse por ele: seja por sua beleza exuberante, por sua incrível aura ou seja por sua admirável capacidade musical.
            Herdeiro da beleza (e do calor) de seu pai, o deus do Sol, tinha todas as meninas a seus pés, dispostas a tudo por uma noite com o fogoso jovem. Apesar dos pesares, Orfeu era um jovem que não tinha cobiças. Queria apenas viver tranquilamente ao lado do amor de sua vida, Eurídice, a mais bela mulher que seus olhos já viram.
            No dia de seu casamento, Apolo decidiu aparecer para comemorar com muita música e, acompanhado de Dionísio, muito vinho e festa na montanha mais alta e coberta de gramas, flores e animais. Apolo, querendo agradar o filho, decidiu dar-lhe um presente que, sempre que fosse tocado, faria com que todos que ouvissem o som parassem para admirar. Assim sendo, Orfeu ganhara uma Lira e, com suas habilidades musicais, começou a tocar na sua festa. Pouco a pouco, todos paravam para ouvir aquela doce melodia, exceto o barulho de abelhas que insistia em preencher o ambiente.
            Olhando de relance para a porta, Orfeu viu seu meio-irmão, Aristeu, filho de Apolo e de Cirene. Não sabia se teria que alegrar-se ou aborrecer-se, não o via há tanto tempo. Contudo, Aristeu não demonstrou comportamento digno de sutilezas: continuava a mesma pessoa hostil e gananciosa de sempre.
            Aristeu olhou para todos os convidados e, pousando os olhos sob a noiva, soube que era aquela mulher que ele queria. Aproximou-se dela e fez o convite: queria que ela o acompanhasse até Beócia, onde viveria com ele em seus rebanhos para o resto de suas vidas.
            Contudo, Eurídice não aceitou o convite: estava apaixonada por Orfeu e queria ficar apenas com ele. Aristeu tentou forçá-la a ir, mas Eurídice tentou fugir e, na fuga, ela acabou caindo e sendo picada por uma cobra que foi mandada por Cirene em um acesso de fúria por ter seu filho negado. Eurídice acabou falecendo e, no lugar da festa de casamento, ocorreu uma partida para o submundo.
            Orfeu ficou desolado e cantava o tempo todo, mas já não tocava mais sua harpa. Seu grande amor havia sido levado e ele nunca mais seria feliz novamente. Encantadas pela voz e comovidas pelos sentimentos do jovem, as Parcas resolvem ajudar o menino, desde que ele não contasse para ninguém do segredo que elas falariam:
            “Vá ao submundo, atravesse com Caronte, passe por Cérbero, fale com Perséfone, consiga persuadir Hades e traga Eurídice.”
            E assim fez o jovem: pegou sua lira e foi-se em direção ao submundo. Na entrada, o barqueiro não mostrou ser muito amigável. Mas, quando Orfeu começou a tocar sua lira, o barqueiro encantou-se e pediu para que o jovem fosse com ele, não poderia parar de ouvir aquela melodia. Ele estava lá, já havia atravessado o Rio Estige, não teria mais volta.
            Anda com sua lira, Orfeu aproximou-se de Cérbero e o fez dormir como dorme um gato doméstico no calor do tubo de uma televisão em agosto. Não parecia ser assustador, exceto por ter três cabeças, medir mais de cinco metros e ter uma boca que com apenas uma mordida era capaz de estraçalhar a Esfinge de Gizé.
            Orfeu estava nos aposentos de Hades que, furioso por um mortal estar vivo em sua sala, deixou-se fingir de enganado. Fingiu estar encantado com a música que Orfeu trazia e, com o seu bondoso coração, conversou com Orfeu para que ele pudesse ter sua amada de volta. Hades deu-lhe coordenadas:

  1. ele teria que buscar sua amada pessoalmente nos Campos Elísios;
  1. ele teria que ir todo o percurso tocando;
  1. ele não poderia encostar na sua amada;
  1. ele não poderia, em hipótese alguma, olhar para trás até que alcançasse a luz do sol.

            O jovem aceitou, estava tudo tão claro, não poderia dar nada errado. Excetuando-se o fato de que tudo havia sido arquitetado por Hades.
            O jovem estava seguindo todos os passos de acordo com as ordens do deus do mundo inferior e tocava sua lira para acalmar desde as Moiras até as almas mais atormentadas. Porém, ele esquecera que estava nos Campos Elísios, onde as boas almas estão e, por isso, são gratificadas: os Campos tinham um sol brilhante, mas irreal.
            Feliz por ter cumprido a missão, o jovem olha para trás para ver a sua amada mas, ao virar, enxerga apenas um vulto sendo consumido pela dor: ele havia virado cedo demais, não estava sob o sol verdadeiro.
            Ele fora enviado para seu mundo novamente e, ela, confinada nos Campos Elísios.
            Orfeu sentia-se culpado e, acima de tudo, sentia falta de seu amor. Havia tomado uma decisão e, em um ato corajoso, bebeu do suco de cicuta, ceifando sua própria vida muito mais cedo que o esperado.
            Para seu desengano, o vale dos suicidas não era o mesmo em que Eurídice estava: ele fora enviado para os Campos Asfódelos, confinado ali para a eternidade e longe de sua amada até que estivesse livre, isto é, para todo o sempre.

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