O Mito dos Mitos - Natanael Otávio
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natanael Otávio ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
O Mito dos Mitos
Natanael Otávio
Byron
o chamava de o velho cego da rochosa ilha de Sio. Gosto de me lembrar dele
assim. Gosto também de me lembrar do menino que o acompanhava em suas andanças
pelas sete cidades – Esmira, Rodes, Colofon, Salamina, Argos, Atenas e, claro,
Sio –, onde juntos mendigavam um pedaço de pão.
Do
menino a humanidade se esqueceu. Eu não poderia, pois sou o tempo.
Certa
vez o velho recitava em Salamina acompanhado de sua arpa uma de suas mais surpreendentes
epopeias. Um menino emocionado o ouvia em meio à multidão.
Sempre
no final das apresentações, quando todos voltavam aos seus lares e afazeres, o
velho seguia solitário para contar histórias em outros lugares. Desse dia em
diante, o menino o acompanhava mantendo uma pequena distância para que o poeta
não o descobrisse.
–
Quem é que me acompanha desde Salamina?
O
menino foi surpreendido com a pergunta do velho. Não imaginava que sendo cego,
ele o pudesse perceber.
–
Não tenho nome – disse, aproximando-se. – Sou apenas um menino de rua,
encantado com seus versos.
–
Interessante. Quantos anos você tem?
–
Não sei. E o senhor tem quantos?
–
Também não sei – o velho riu. – Só posso lhe garantir que são muitos. Mas, por
que está me seguindo?
–
Quero ficar igual ao senhor.
–
Ah, o tempo, esse brincalhão! Você querendo ser velho como eu; e eu, se
pudesse, voltava a ser menino como você.
–
Na verdade, quero ser poeta.
–
Entendi. Caminhe então ao meu lado. O que me derem de comer com ti repartirei.
O que me derem de beber com ti eu beberei.
–
Obrigado, senhor! Será uma honra!
***
Às vezes em baixo de uma árvore,
outras dentro de uma caverna, do menino o velho tomava a lição:
–
Cortou a cabeça da Medusa?
–
Perseu.
Depois
ele invertia: contava o feito e o menino tinha de responder o autor:
–
Apaixonou-se pelo próprio reflexo?
–
Narciso.
Com
o tempo, o menino foi ficando bom nisso...
***
Passaram-se os anos e um dia o velho cego da rochosa ilha
de Sio dormiu em uma caverna, como muitas vezes fazia, e não mais acordou.
Seu companheiro de andanças sentiu uma dor indescritível,
chorou por perder o mestre, pediu aos deuses por sua alma, sepultou-o. Depois,
passou a andar só, recitando baixinho os versos do velho amigo. Até que um dia
ouviu alguém gritar para si:
– Homero!
Meu mestre morreu,
pensou. Olhou ao redor: deve ser outro
Homero.
– Estava mesmo a lhe procurar. Adoro os seus versos!
Venha comigo? Tem uma multidão em Esmira lhe esperando para ouvir uma bela e
surpreendente história de amor e guerra.
O rapaz o tomava mesmo por Homero. E eu posso garantir
que eles estavam mesmo bem parecidos. A idade havia chegado para o aprendiz, a
barba crescera tanto que escondia o rosto, a visão também diminuíra tanto que
enxergava apenas silhuetas e vultos.
Digo que não sou o
Homero ou eu... Foi então que o aprendiz tomou consciência do seu destino,
riu de felicidade, era finalmente o poeta que sonhara.
–
Já estou indo, meu jovem!
E
diante de uma grande multidão, o poeta narrou:
“Canta, ó musa, a cólera de Aquiles, filho de Peleu,
que
incontáveis dores trouxe às hostes dos Aqueus
e
tantas almas valentes de heróis atirou no Hades...”
Adorei ,seguiu quem admirava,tinha ja a poesia dentro de si,fascinação pelo velho,encantamento das palavras, o conhecer as pessoas descritas,lindo e eu adorei,porque me encanto por palavras ditas por quem declama com a alma
ResponderExcluirRosa Carvalho, que bom que gostou! É isso mesmo: as palavras ditas com alma tem o poder de nos encarar. Obrigado por acompanhar os nossos textos! Abraços!
Excluir