Halloween Interplanetário - Carlos H. F. Gomes





Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Carlos ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Halloween Interplanetário



Carlos H. F. Gomes


Luara estava preocupada. A encomenda de jerimuns não chegou e pelo jeito nem chegaria e sem o extravagante fruto para fazer seus famosos Jack o’ Lantern, a festa de Halloween daquela noite seria um fiasco. A androide entrou em contato com o fornecedor via app subespacial e seu software detectou traços de mentira na justificativa do terráqueo, fazendo-a lamentar-se por não ser possível encomendar tal iguaria dos marcianos que, embora fanfarrões, são mais confiáveis do que os terráqueos e os ganimenhos do Cinturão juntos.
Naquele momento a porta do The Moon Bar & Restaurant deslizou, cinco terráqueos que acabaram de estacionar seu spacetruck no hangar entraram e sentaram-se em uma mesa no centro do salão. Um deles, com a boca torta e o olho esquerdo meio fechado, fez sinal para que Semog, o barman híbrido, os atendesse.
A inteligência artificial da androide fazia cálculos enquanto seu módulo ótico escaneava os primeiros fregueses do dia, digitou algo no app de segurança do estabelecimento, leu as informações apresentadas e saiu pela porta detrás. Semog servia a mesa, colocando na frente do homem de boca torta que parecia ser o chefe, uma dose de vodka dos asteroides, a melhor do Cinturão, para o homem manco da perna mecânica, uma cerveja alemã, para o rapaz com a boca torta, que parecia ser filho do chefe, uma space-cola com duas rodelas de limão marciano e para os outros dois, com caras de meros empregados, o barman serviu uma garrafa de cachaça marciana, produzida à baixa gravidade.
Enquanto perguntava se desejavam algo mais e colocava no centro da mesa uma tábua de frios ganimenhos, Semog foi surpreendido pelo alarme dos apps de segurança dos clientes, que saíram correndo em direção ao hangar, derrubando copos e garrafas. Após xingar os terráqueos, que já tinham fama de metidos a donos da galáxia, ele foi até o balcão e acionou o comando para os droides de limpeza arrumarem a sujeira, mas achou estranho que o app de segurança do The Moon estava ativo.
Ele chegou a cara mais perto, melhorou a resolução da sua prótese ocular e viu os cinco terráqueos correndo pelo hangar em direção ao spacetruck, com as pistolas de raio paralisante em punho. Semog recuou, serviu-se de uma boa dose de vodka dos asteroides, virou-a de uma vez sentindo alguns sensores gustativos queimarem e o líquido incandescente quase levar junto o gel da mucosa da garganta, aproximou-se novamente do holograma e observou a nave partir a alta propulsão, mas algo no canto inferior esquerdo da imagem chamou a sua atenção.
O barman olhou em volta, observando cada detalhe da decoração de Halloween: as teias de aranha holográficas, a luz negra e vermelha, o palco pronto para a banda de space metal que ele não sabia pronunciar o nome, sua fantasia de Frankenstein pendurada ao lado da Noiva Cadáver de Luara, os potes com cabeças e embriões holográficos de marcianos, terráqueos e ganimenhos. Tudo perfeito, exceto os Jack o’ Lantern que ela fazia como ninguém no Sistema Solar.
Trancou a porta da frente e saiu pela de trás, indo na direção do depósito do restaurante. Oculto pelo container de lixo, ele ouviu o zumbido característico do Resequenciador de Matéria Orgânica funcionando, respirou fundo e arriscou olhar, quando Luara abriu a porta do RMO e tirou de dentro um Jack o’ Lantern grande, com um olho menor que o outro e a boca torta. Em todos aqueles anos ele nunca a viu cometer um erro sequer e começou a desconfiar de que houvesse algum erro na sua programação ou que ela estivesse fazendo algo que não deveria.
Sentia-se como se também estivesse fazendo algo errado, ali espiando a androide com quem tinha sonhos proibidos e isso o deixou excitado. Reparou que sua prótese íntima fez um volume indecente na sua calça, respirou fundo, concentrou-se e olhou outra vez. Ela estava abaixada e parecia dobrar algo, fazendo tanta força que ele pode ouvir estalos como se algo quebrasse e não conseguiu imaginar que material poderia ser. Também sentia o cheiro de fluído lubrificante queimado que exalava das juntas dos braços de Luara, tomou coragem e saiu de detrás do container e quando ela se levantou carregando nas mãos o que estava dobrando a pouco, Semog tomou um susto.
Luara o observava enquanto processava a informação e ele a olhava nos olhos, sentindo crescer em seu íntimo um sentimento contido há muito, sorriu e abriu a porta do RMO para que ela colocasse dentro o material que havia preparado para ser resequenciado. Os dedos metálicos dela digitaram novas especificações para que o próximo Jack o’ Lantern saísse sem os defeitos do primeiro, mas a única diferença foi o tamanho menor. Lado a lado pareciam pai e filho e nesse momento, Semog teve certeza de que estavam fazendo algo errado. Sua garganta sintética estava seca e mais um gole de vodka iria bem, mas isso teria que esperar. Ao perguntar o que havia acontecido com o spacetruck deles, ela respondeu que programou o piloto automático para que a nave se espatifasse em algum asteroide desabitado do Cinturão. Semog a empurrou para o lado com delicadeza, aspirando o cheiro de queimado das suas articulações, foi até atrás do aparelho de RMO e voltou puxando pela perna mecânica o outro humano que estava prestes a fazer parte da festa de Halloween daquela noite.
Luara ainda estava frustrada, apenas cinco Jack o’ Lantern era pouco; precisava de no mínimo sete e já havia colocado os cinco disponíveis em seus devidos lugares. O barman virava goela abaixo mais uma boa dose de vodka dos asteroides, sentindo-se revoltado por não poder resolver o problema da androide mais gata do Sistema Solar. Semog se imaginava dobrando o patrão e sua esposa peituda para resenquencia-los, como Luara fez com os terráqueos. De repente ouviu o ruído espalhafatoso da nave modelo esportivo do sr. Solrac, o terráqueo mau caráter, dono do The Moon Bar & Restaurant, que deveria estar acompanhado da esposa, uma filantropa corrupta, nativa de Ganimedes.
Androide e híbrido se olharam com cumplicidade e foram em direção ao hangar receber o patrão e sua esposa.

Comentários

  1. Halloween no Espaço. Devo dizer que este conto é único, mas vindo de quem veio TINHA QUE SER NÉ

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