Sentenças - Ed Celente




Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Ed Celente ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Sentenças


Ed Celente




1692
O tribunal estava lotado. Gritos de justiça ecoavam por todos os lados. Pessoas indignadas com tanta covardia, outras pessoas querendo o fim da menina de 11 anos.
O juiz, autoridade máxima, estava perdendo a sanidade e, em uma explosão de fúria em busca do seu juízo, gritou:
‒ Declaro Abigail Williams culpada por bruxaria! Expeça-se e cumpra-se.
O tribunal caiu em um mórbido silêncio.
O juiz ruborizou na hora, incrédulo do que acabara de fazer. Esse não era ele. Condenando uma criança inocente de tais atos? Não! Apesar de que isso deveria ser influência dela. Ele nunca faria isso se não estivesse alucinado pelos efeitos da bruxa.
Então, cumpriu-se. Na noite seguinte, datada em 31 de outubro de 1692, a garota foi queimada viva diante de toda a cidade. Seus gritos de dor, desespero e socorro subiam aos céus como a fumaça negra e o cheiro doce de sua pele incendiando.
Os gritos começaram a cessar a medida que sua vida se esvazia desse corpo, mas deixou, no momento do seu desencarne, a promessa da qual muitos cristãos acreditam: seu retorno. Ela voltaria para fazer justiça perante o que foi julgada.

1992
Na escola, Alicia aprendeu sobre a queima das bruxas, exatamente 300 anos atrás. Para comemorar, caracterizou-se e levou, em seu braço, um caldeirão simbólico, onde depositava seus doces que pedia saltitante pelas praças.
Esse ano, estava ganhando mais que nos anteriores: as pessoas estavam mais no espírito da coisa.
Após ter visitado quase todas as casas da rua, Alicia avistou um gatinho preto que caminhava calmamente entre os transeuntes. Alicia o seguiu e, conforme a rua ia escurecendo, o movimento ia diminuindo. Ela chegou na última casa do quarteirão, que todos diziam ser abandonada mas que, por uma infeliz coincidência, estava com uma luz acesa.
A garota decidiu chamar e, quando encheu os pulmões de ar para gritar, o portão abriu-se, dando-a passagem. O caminho a sua frente era cheio de entulho e grama e nada cuidado. Tomando cuidado para não pisar em falso e não bater em nada, a garota atravessou o pátio da mansão, alcançado o hall. Mas o que realmente lhe chamou atenção estava do lado de fora, sob uma nogueira enorme: uma garota, com vestido preto, balançava-se no pneu pendurado no galho da árvore.
Em um piscar de olhos, a garota estava parada em frente a Alicia, com as mãos em seu pescoço e seus olhos negros como a noite aprofundando os olhos de Alicia. A garota tentava gritar, mas estava sendo sufocada por fumaça que emanava da menina de olhos negros.
Alicia estava perdendo suas forças e, no entanto, parando de lutar. Então, a menina penetrou o corpo de Alicia através de seus olhos, deixando-os vermelhos como sangue. Ela queria encontrar os descendentes de quem a julgou, mas não sabia que ela iria se entregar tão facilmente.
A suposta Alicia, agora possuída, caminhou em direção a sua casa. Chegando lá, encontrou seu pai na sala. Já era um homem com alguma idade, seus cabelos, ou o que sobrou deles, já não eram mais coloridos e seu rosto já tinha algumas rugas. Ele, como toda a família, era promotor de justiça e, por ventura, herdeiro da linhagem mais antiga de juízes daquela cidade, a qual orgulhava-se em dizer que era participante da caça às bruxas. Quando a garota entrou na sala, as luzes oscilaram e, amedrontado, o pai olhou para ela como quem vê o diabo.
Ele fora avisado por anos sobre a promessa de retorno, mas não sabia que era possível. Nunca acreditou em vida pós morte e muito menos em maldições. Mas estava ali, sua filha agora estava tão pálida que suas veias arroxeadas transpareciam e, seus olhos, vermelhos como sangue.
A mãe da garota caminhou da cozinha até a sala para ver o que estava acontecendo e, ao chegar no aposento, gritou de desespero ao ver sua filha nesse estado. Começou a gritar e implorar que o que quer que estivesse incomodando ela, se retirasse.
O espírito então respondeu:
— Mata ele, mamãe. Mata ele! — e apontava para o homem que estava em pé diante delas.
Nesse momento, a mulher já não estava consciente de si. Estava sendo dominada pelo espírito da bruxa que, se não conseguisse vingança, iria possuir todas as outras mulheres que fosse possível.
— Aguardei trezentos anos — começou a bruxa, agora manifestando-se na mulher. — Trezentos anos para conseguir voltar e me vingar.
O homem, acreditando ser esperto, foi dar um passo para trás e caiu sentado no sofá mas, ainda assim, levantou-se e correu para a cozinha. A garota já estava lá. Como? Ele não sabia.
Pegou sua faca de açougueiro e esperou sua mulher chegar lá. Apesar dos passos lentos, ela não demorou para fazer o trajeto. Adentrou na cozinha e foi surpreendida por um golpe nas suas costas, na altura do pescoço. O sangue começou a sair, mas a bruxa apenas virou-se para o homem, como se não houvesse acontecido nada.
Ele percebeu que não havia saída. As duas mulheres pegaram-no e o colocaram numa cadeira que tinha por ali.
Não queriam apenas matar, queriam fazer sofrer, assim como ela sofreu.
Amarraram o homem com tanta força que o ar tardava a chegar em seus pulmões e, quando chegava, ardia. Suas costelas estavam sendo comprimidas e seu estômago apertado.
A mulher começou o seu trabalho: iniciou arrancando unha por unha, deixando a carne dos dedos exposta. Quando o homem foi gritar, colocaram uma mordaça em sua boca para que não emitisse nenhum som.
Agora, foi a vez da garota: levantando um por um, quebrou os vinte dedos de seu pai, deixando suas mãos e seus pés tortos.
O homem ainda relutava para gritar e, como boas bruxas, elas retiraram a mordaça. Contudo, a mulher colocou sua mão e começou a arrancar os dentes, retirando desde a raiz. O homem gritava de dor e pedia misericórdia, mas elas estavam surdas por vingança.
A mulher retirou a faca que estava em suas costas e rasgou a parte interna das coxas do homem, indo da altura da pélvis até os joelhos.
O homem implorava para que matassem-no de uma vez. Não suportaria mais dor.
Então, terminaram o serviço: quebraram cada junta restante do seu corpo e, em um último ato, quebraram seu pescoço. Analisaram o corpo todo torto e mutilado: o serviço estava feito.
O espírito, então, retirou-se dos corpos e, desgastando-os demais, deixou os três atirados no chão, sem vida.
A justiça havia sido feita.

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