Dentro da Mala - Natanael Otávio
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natanael Otávio ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Dentro da Mala
Natanael Otávio
A
mala era nova. As roupas dentro da mala eram novas. Velho era o desejo de
conhecer pessoalmente o país dos avós e o sítio que eles moravam. Mas, seus
pais nunca tiravam férias do trabalho. Não podiam nunca viajar com o menino. Vou só!, ele dizia. Só com dezoito!, respondia o pai. Você é criança ainda!
Tantas
vezes o menino fantasiou avistar de verdade o que só por fotos conhecia: aquele
bosque, aquela cachoeira, o balanço de pneu pendurado na goiabeira, os
pássaros, a mimosa... Nas cartas da avó, além das fotos e palavras carinhosas,
dentro do envelope continha um pouquinho de grama; algumas flores, que ela cultivava:
rosa, maravilha, margarida... “O azulão e o canarinho trocaram de pena”, a carta dizia. E, dentro do envelope,
o menino encontrava algumas plumas; e, era quase como se ele estivesse lá.
Na
noite de antecedência ao seu embarque para o Brasil, dormiu abraçado à mala,
meio que para ter certeza de que desta vez iria de verdade. Tinha completado dezoito
anos em dezembro. Não era mais uma criança.
Na
manhã seguinte, a terra tremeu. Tremeu a cidade em que ele morava. Em 20
segundos casas e prédios foram abaixo. Entre tantos mortos e escombros, o corpo
de um jovem abraçado à uma mala se destacava: era como se ele estivesse
abraçando um sonho.
Muitos
disseram que o sonho do menino não se realizou, porém, seus avós disseram o
contrário, que o neto estivera no sítio com eles, que ele pescou com o avô, que
comeu os deliciosos quindins preparados pela avó, que brincou com a mimosa e,
antes de se despedir, balançou no balanço de pneu no pé de goiaba. Tudo isso, enquanto
a terra tremia no Japão.
Eu
não digo que sim nem que não, relato apenas o que eles me contaram.
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