Na Areia - Meg Mendes
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Ed, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Meg Mendes ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Na Areia
Meg Mendes
Até
parecia mentira, mas finalmente havia conseguido um lugar legal para passar as
férias em família. Há anos que a esposa reclamava que não faziam nada
interessante ou diferente, que ele trabalhava demais e nunca viajavam, e ela tinha
razão. Valter sempre inventava um motivo qualquer para não se afastar do
escritório.
Não tinha sido fácil alugar, afinal uma casa
com praia privativa não se consegue da noite para o dia e o valor era alto. Porém
ao chegar lá, entendeu o custo. O local era magnífico e amplo. Paulo e Olívia,
os filhos do casal, amaram. Fazia tempo que ele não via seus filhos tão
felizes.
— Vamos
logo para a praia, o dia está lindo. — Laura disse sorrindo.
Como tinham chegado cedo, daria para
aproveitar bastante. O sol ainda não estava forte e o céu de um azul límpido trazia
a promessa de um dia glorioso.
— Claro
querida, vamos aproveitar. — A alegria deles o atingiu também.
Aquilo
era um paraíso. Areia branca, sem lixo espalhado, não havia ninguém por ali e a
água era muito clara. Bem diferente das praias apinhadas de gente e com água
turva.
As
crianças corriam e jogavam água um no outro. Valter colocou uma cadeira
dobrável na areia e relaxou.
— É
tão quieto aqui. — Laura suspirou ao seu lado.
Era possível ouvir as ondas quebrando e alguns
pássaros cantando ao longe. De resto, tudo era silêncio.
Ele
avistou ao longe alguém deitado na areia três casas à frente. Ficou curioso e
se levantou.
— Onde
você vai, Valter?
— Temos
vizinhos, querida. — Respondeu já se encaminhando para lá.
Ele
pôde sentir Laura vindo atrás dele e percebeu que seus filhos os seguiam
também. Conforme caminhavam em direção da pessoa que tomava banho de sol eles
avistaram outros deitados na areia um pouco mais à frente.
— Que
estranho. — Disse ele para a esposa. — Pensei que esse final de semana não
haveria tantos turistas nas residências.
Ao
se aproximarem, Laura tomou um susto e apertou a mão do marido.
— Meu
Deus, querido! — Ela exclamou.
Os
filhos do casal ficaram paralisados com a cena que tinham à sua frente. Não eram
banhistas tomando sol e descansando. Eram corpos! Muitos corpos jogados na
areia que se tingia com o vermelho do sangue.
Sem
saber direito o que fazer, Valter pediu para que Laura levasse as crianças para
longe daquele cenário de horror. Pôde perceber que um homem que estava a sua
frente ainda respirava e ao se aproximar ele sussurrou com dificuldades.
— Fujam,
ele está vindo matar todos! Fujam...enquanto… enquanto... podem!
O
homem deu seu último suspiro!
Valter
se afastou, olhou para trás e viu Laura e as crianças andando rápido de volta
para casa onde estavam. Então percebeu que algo se movia na areia, se
arrastando em direção a eles.
As
escamas eram claras e parecia uma morsa gigante, porém a cabeça tinha o formato
humano.
— Laura,
cuidado! — Ele gritou e começou a correr.
O
grito alertou aquele monstro. Ele se moveu mais rápido. Não tinha olhos, apenas
uma boca imensa com dentes afiados e ao abri-la tentáculos longos saíram de
dentro.
— Não!
Aquilo
agarrou Paulo e Laura pela cintura. Olivia, a filha do casal, escapou por pouco
de um tentáculo e correu. Entretanto foi apanhada pelo tornozelo. Valter estava
estático, parado lá feito pedra, seu corpo tremia e não conseguia fazê-lo se
mover.
A criatura bizarra sacudia seus filhos e sua
esposa com os tentáculos de um lado para o outro com enorme fúria. Eles gritavam
e Valter podia ouvir seus corpos estalarem. Seus ossos estavam quebrando e
jatos de sangue eram lançados em toda areia antes branca e limpa.
Os filhos foram os primeiros a parar de gritar
ou se mover. Ele pôde ouvir os gritos da esposa por mais alguns instantes antes
que seu pescoço quebrasse e ela fosse jogada na areia por aquela criatura
assassina. Quando todos estavam mortos a besta largou-os e recolheu-se
novamente nas águas. A areia estava manchada com o sangue de sua família, tudo
que ele mais amava fora destruído bem em sua frente e ele não pôde fazer nada.
Caiu
de joelhos consternado com o ocorrido. Do bolso da bermuda que usava, pegou o
celular e ligou para Emergência. Quando a atendente perguntou “Qual é a sua emergência?”, não soube o
que dizer, porém sua boca se movia sem permissão.
— Alguma
coisa na praia atacou minha família e alguns vizinhos. Era um monstro horrível.
— Onde
o senhor está?
— Na
praia.
Ele
sabia que parecia loucura, mas apenas relatou que aconteceu. Quando as
autoridades e a ambulância chegaram ele estava parado no mesmo lugar. Imóvel!
A
areia ficou apinhada de policiais e ele pôde ver consternação nos rostos.
— Senhor,
o que houve aqui? — Alguém lhe perguntou.
— O
monstro saiu da água, tinha tentáculos. Não pude fazer nada.
—
Um monstro? — As pessoas ao seu redor se olhavam de forma estranha.
— Eu
sei o que eu vi.
Ele
foi levado à Delegacia para prestar depoimento. Contou tudo o que aconteceu,
mas ninguém acreditou.
— O
senhor tem certeza que foi um monstro? Será que esse monstro não seria o
senhor?
— Eu
sei o que eu vi. — Valter começava a ficar irritado.
— Está
me dizendo que viu um monstro marinho saindo da água e atacando sua família? Que
os vizinhos estavam todos mortos quando chegaram?
— Eu
sei o que eu vi. Eu sei o que eu vi.
A
polícia não acreditou no relato de Valter, não havia mais ninguém na praia. Além
dele, todas as outras pessoas estavam mortas e não podiam dizer o que havia
acontecido. Ele ficava cada vez mais incoerente e apenas repetia a mesma frase:
Eu sei o que eu vi. Eu sei o que eu vi. Eu
sei o que eu vi.
Comentários
Postar um comentário