Gigante da Sabedoria - Carlos H. F. Gomes
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Carlos ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Gigante da Sabedoria
Carlos H. F. Gomes
Ele caminhava apressado por Byfrost, deixando atrás
de seus destemidos passos pegadas brilhantes que faiscavam pela exuberante
ponte. Seu imponente corpo envolto em andrajos indignos até mesmo para um
mísero mortal movia-se em velocidade de quem tem pressa. Ao longe o bravo
guardião Heimdall observava tentando perscrutar os desígnios da mente do Deus
dos Deuses tão preocupado em parecer um simples mortal comum sem, entretanto,
obter o mínimo êxito.
O insuperável crepúsculo do supremo Reino de Asgard
estava especialmente lindo naquele momento, esticando a sombra dourada de seu
Soberano criando um memorável espetáculo em Byfrost. A ponte flamejante de um
predominante carmesim mostrava-se pura energia cintilante guiando Odin para um
destino que só ele conhecimento tinha.
O corajoso Guardião de Byfrost ajoelhou-se a fim de
saudar seu Líder, mas o Rei apenas seguiu seu caminho, sumindo na escuridão da
noite que caía rápido. Heimdall ponderou se deveria seguir a uma distância
discreta a fim de protegê-lo em sua secreta jornada, mas sua missão suprema era
proteger a ponte que leva à Asgard, o Reino Dourado.
O Grande Odin caminhou por muito tempo, em verdade um
tempo ínfimo, enquanto refletia amargamente acerca do fim, teimoso em
aproximar-se a galope alado. Em sua juventude de ser eterno, o bravo Deus não
se poupava ao vislumbrar uma boa disputa de proporções elevadas. Guerrear
estava entre suas predileções, no entanto perdas caras a ele insistiram em
pesar no seu coração de guerreiro, levando-o naturalmente a primar e buscar
pela sabedoria antes da glória.
Do dia em que um ousou mortal atravessar Byfrost,
arriscando a própria e insignificante vida, a fim e entregar-lhe um mísero
poema, a Edda Poética, sua eterna existência tornou-se um tormento. Ao ler sem vontade
alguma o primeiro poema, Völuspá, Odin ajeitou-se melhor em seu trono de ouro e
gemas preciosas dos Nove Mundos. Uma mortal cujo título honorífico dizia-se
Völva revelava em seus versos verdades impossíveis de se saber ao seu respeito
a não ser através de habilidades que apenas um Deus como ele poderia ter, mesmo
assim não era das que ele dispunha: o conhecimento das três existências do
passado, presente e futuro. Desde então a busca por sabedoria deixou de ser uma
ambição e tornou-se questão de sobrevivência.
Estrofes inteiras atormentavam sua mente divina:
“Sacia-se no sangue da vida dos homens
predestinados,
pinta as casas dos poderes de vermelho com sangue
carmesim.
Os raios solares tornar-se-ão negros nos verões que
se seguem,
todos os climas ficam traiçoeiros. Ainda quer
saber?”
Sim,
seu coração era destemido guerreiro; sua história solidificava tal verdade pela
intrepidez de seu agir, mas pela primeira vez no tempo incontável de sua
existência ele sentiu um genuíno medo de morrer. E ainda mais esses versos
perversos martelando em sua mente, tal qual um poderoso Thor.
“Irmãos lutarão e matarão uns aos outros,
os filhos das irmãs sujarão o parentesco.
Isso é duro no mundo, prostituição corrente
— uma era de machado, uma era de espada (e o sol
surge)
— escudos são despedaçados — uma era de vento, uma
era de lobo —
antes que o mundo se vá precipitadamente.
Nenhum homem terá misericórdia para com o outro.”
Tantos
sacrifícios para o estabelecimento de um equilíbrio em todos os Nove Mundos,
tendo o seu amado Reino de Asgard como o mais poderoso e agora chega a notícia
de que tudo, tudo em todo seu absoluto peso, tudo está prestes a desaparecer e
reaparecer. Reaparecer sem Asgard, sem Odin, sem seu poderoso reinar.
Não
reparou nos olhos de diâmetro descomunal, aparência hostil, uma presença primal
que o observavam por entre o oculto das florestas escuras e geladas. Os seres
de selvagens corações e proporções exageradas, embora quase semelhantes a ele,
não ousaram chegar perto do Deus que abandonava seu suntuoso Reino Dourado para
enveredar-se por um mundo hostil como aquele.
—
Todos vão morrer! — sua voz de trovão ecoou pelo mundo inferior, estremecendo
corações primitivos e geleiras. No peito imortal do Deus dos Deuses um aperto
de morte iminente o incomodava, turvando sua sabedoria. Seus passos outrora
firmes e majestosos mostravam-se pesados como se suas pernas montanhas fossem.
O
aumento da temperatura e o cheiro adocicado que em outros tempos lhe embeveciam
os sentidos, passaram despercebidos naquele momento. O barulho tranquilizador
da água da fonte da sabedoria não mais o alegrava. Como um viajante perdido, o
Grande Odim sentou-se na grama úmida. Não se importava mais de ser visto em
vergonhosa apatia; todos morreriam e Asgard estava perdida.
—
Ó Grande Odin, o que busca aqui na raiz sagrada de Yggdrasil, onde brotam do
solo sagrado as águas da sabedoria de Mímisbrunnr? — o Deus dos Deuses
sobressaltou-se ao ouvir a poderosa voz do gigante Mímir, o Sábio dos Sábios.
—
Ó Sábio gigante, venho em busca de seu aconselhamento e da sabedoria das águas
de Mímisbrunnr para que... — ousando interromper o Grande Odin, o Sábio
gigante, o mais antigo de sua linhagem, exigiu:
—
Para que tenha o que busca, vindo de tão longe carregando descomunal peso no
coração, o Grande Odim devea dar-me um de seus olhos. O outrora imponente Deus
pegou seu olho esquerdo, arrancou-o do belo e sofrido rosto, e estendeu-o ao
gigante, que indicou a Odin que deveria joga-lo na fonte. Ele assim o fez e com
o que restou viu o olho ofertado afundar devagar, pousando em macio lodo no
fundo da fonte.
—
Asgard será Asgard onde quer que um asgardiano esteja. Asgard não é um local; é
o coração de cada um de seus súditos. Assegure-se, ó meu Rei, de que após o fim
ainda haja pelo menos um asgardiano vivo. — Ainda olhando para o fundo da
fonte, Odim ouvia o gigante falar como se já soubesse de tudo antes dele. Teve
a certeza de que o olho oferecido que jazia no lodo o enxergava. O gigante
Mímir continuou: — Yggdrasil desaparecerá, mas Asgard ressurgirá. Aquele olho
que jaz ali no fundo da fonte da sabedoria bebe agora da raiz da Árvore da Vida
e Odin enxergará a verdade com este olho enquanto enxerga o mundo ilusório com
o que carrega na face.
Odin
respirou fundo. Sentiu-se revigorado em todas as ocasiões que visitou
Mímisbrunnr, não por sua água, mas pelas palavras do Gigante Mímir, o Deus mais
sábio que já existiu. Juntou as mãos fortes em forma de cumbuca, mergulhou-as
na fonte da sabedoria e bebeu de sua água. Levantou-se, mostrando um buraco na
face onde antes de sua viagem havia um olho de Imortal, sorriu para seu amigo
Mímir e tomou o caminho de volta para Asgard.
Ao
passar por Heimdall, Odin acenou com a cabeça e seguiu por Byfrost que
estremecia a cada passo de seu Rei. Ele parou, voltou-se para o Guardião e observou
aquele Deus de estatura elevada e sentidos mais aguçados do qualquer outro
Deus.
—
Heimdall, você está pronto para tocar o Gjallarhorn quando chegar a hora do
Ragnarök?
O imponente Guardião não foi capaz
de responder; estava intrigado com a falta do olho esquerdo de seu Rei e
recriminava-se por não tê-lo acompanhado onde quer que tenha ido.
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