Ânsia Incurável - Morphine Epiphany


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Ânsia Incurável

Morphine Epiphany


Quando Hana segurou o teste com o alarmante positivo em seus dedos, todos os sentimentos maternos pareciam uma série de naufrágios. Ela havia enterrado seu pequeno Daniel há pouco mais de dois meses. Os olhos condenados, o frágil corpo e a alegria daquele garoto permaneciam em cada canto do imóvel e vagava pelos seus pensamentos diariamente.
Seu garotinho sofreu com uma enfermidade incurável que estava dominando a cidade. Os primeiros sintomas se mostraram incompreensíveis. O menino não frequentava mais o colégio, desenvolvera um pânico da luz solar. Não suportava nenhuma espécie de iluminação, reclamava de uma agonia terrível quando era exposto ao Sol.
Isolado no breu de seu quarto, o garoto de nove anos não comia e não possuía desejo de brincar. Delírios tomaram conta dele, espantosas dores, o corpo foi perdendo massa e somente os ossos surgiam proeminentes. Por semanas, o menino suportou até o dia em que as trevas declaradamente carregaram o resto de fôlego que habitava nele.
Hana, fixava o quarto do filho, permanecia na escuridão como forma de punição. E foi ali, na mesma cama onde a criança declarara seu final, que ela segurava o teste anunciando uma nova criança. Não conseguia entender, não desejava substituir o filho morto por um filho vivo.
O comportamento de Hana deixava o marido André, desnorteado. Durante os primeiros meses de gravidez, ele cuidava integralmente da esposa com o intuito de garantir o seu bem estar.
O quarto do filho se tornou o recanto da esposa. Ela dormia durante várias noites no cômodo. Com o tempo, André precisou deixá-la sozinha por mais tempo e os pesadelos da esposa se tornaram recorrentes.
As sombras sempre traziam o rosto do garotinho e Hana em uma embriaguez carregada de saudade gritava o nome do filho. Sentia os chutes do bebê e ao mesmo tempo clamava por Daniel. Desejava ver os meninos brincando no parquinho, sujos de barro, rindo em uma frequência que deixasse os céus felizes.
Os olhos da criança se manifestaram na escuridão, os azuis totalmente sem vida, a boca sedenta por algo e o antigo corpo tomado por uma lividez cadavérica. Aproximou-se da mãe em completa alucinação, tocou sua barriga e cravou-lhe as presas.
Aflita, ela despertou. O filho não estava lá e a sua barriga mexia de forma acelerada, causando desconforto e dor. Ela então, verificou duas minúsculas marcas ao redor da barriga.
André quase não ia para a casa. As últimas semanas de gravidez levaram Hana a um estado de esqualidez absoluta. Com frequência, ela sentia pontas afiadas em seu abdome. Ocorria todas as noites. Ela via os olhos do filho e não se recordava de outros detalhes.
Passava as derradeiras semanas no quarto de Daniel. Já não conseguia fazer o mínimo esforço para sair da cama, a energia abundante dentro dela em outros tempos, se esgotara.
Entrou em trabalho de parto enquanto André estava trabalhando. Ela mal podia levantar as mãos, era como se uma força a puxasse e depois drenasse toda a sua essência.
O novo bebê ansiava pela vida. Hana viu pela primeira vez em meses, os olhos de Daniel saindo das trevas. Era um garoto sem vida nos olhos e não se assemelhava ao filho vibrante de antes. Ela o chamou, pediu-lhe um abraço e o menino se aconchegou na mãe.
Movimentações assustadoras surgiam em sua barriga e Daniel ávido pela energia vital da criança, cravou profundamente seus afiados dentes no abdome da mãe. O menino sugava devotadamente a vida de Hana e do bebê.
Não sobraram movimentos na carne dela, os pulsos não existiam e a seiva do novo irmãozinho e da mãe haviam fortalecido Daniel. O lampejo do sangue devolvera a existência do menino que observava o banquete e lambia os lábios com uma ansiedade excessiva. 


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