Como Matar Um Gigante? - Natanael Otávio



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natanael Otávio ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.


Como Matar Um Gigante?

Natanael Otávio


– Perdeu alguma coisa aqui, garoto? – resmungou Erarich – Aqui não é lugar de criança brincar!
– Não vim brincar.
– De qualquer forma, é melhor você sair daqui antes que Jotun chegue. O meu senhor não gosta de criança.
– Estranho... – O menino fitou o seu interlocutor com olhos perscrutadores, como se algo não fizesse sentido. Desde que ouviu o pai dizer que os anões são seres de inteligência superior, algo o incomodava – Sendo um sábio, por que você serve o gigante?
– Como você se chama, garoto?
– Meu nome é Hjalmar.
– Bem, Hjalmar, dizem muitas coisas a respeito dos anões, inclusive que todos somos sábios. Mas, a verdade é que nem todos.
– Você é o único anão que conheço, por isso estou aqui, pensei que fosse capaz de me dar uma resposta.
– Pensou errado. Não sou capaz de lhe dar resposta alguma. Vá pra sua casa, anda!
– Você conhece algum anão que seja sábio?
– Que garoto impertinente! Não conheço, não!
– Se um dia conhecer um, poderia perguntar uma coisa a ele?
            – Diga logo! Jotun está pra chegar!
            – Como matar um gigante?
– Então você vem ao lar de Jotun, perguntar para o servo dele como fazer para matar um gigante... Você é louco ou o quê?
Hjalmar nada respondeu.
– Quantos anos você tem? – perguntou o anão.
O menino fez sinal de oito com os dedos.
– Essa é boa! – desdenhou o anão – E qual gigante o garotinho pretende matar?
– O que anda por aí derrubando casas e igrejas, roubando comida, matando pessoas e animais... – O menino tinha ódio nos olhos – O seu senhor matou o meu irmão... E eu o matarei!
– Entra na fila, garoto! Ou melhor, saia dela! Você é muito novo para querer matar Jotun. E, digo mais, todos que tentaram morreram ou terminaram aleijados!
***
            A visita daquele menino fez Erarich refletir sobre a sua própria existência. Assim como Hjalmar havia perdido seu irmão, ele havia sofrido uma enorme perda por causa da crueldade do gigante.
            Por tantas vezes pensei em me vingar de Jotun pela morte dos meus pais, mas sempre me faltou coragem. Poderia o envenenar aos poucos, mas sei que não existe honra nesse tipo de solução. E, também, sempre soube que não nasci para matar. Só que agora me aparece esse garotinho com a coragem e determinação que eu nunca tive... Por quê?
Quando o gigante assassinou o pai e a mãe de Erarich, que, na época, era apenas uma criança, fez dele o seu escravo.
***
            Sempre, na ausência de Jotun, o menino visitava o anão.
            – Já descobriu como eu faço para matar o gigante?
            – Ainda não. Mas vou descobrir.
***
            No dia seguinte:
            – Já descobriu como eu faço para matar o gigante?
            – Ainda não. Mas vou descobrir.
***
            Na semana seguinte:
– Já descobriu como eu faço para matar o gigante?
            – Ainda não. Mas vou descobrir.
***
            No mês seguinte:
– Já descobriu como eu faço para matar o gigante?
            – Ainda não. Mas... – Pela primeira vez, o anão tinha algo a acrescentar ao seu discurso – Se você pretende mesmo matar Jotun é melhor que comece a treinar. Erarich presenteou o menino com um elmo e uma adaga. – Eram de meu pai. Terão mais serventia para você do que para mim.
            – Obrigado, senhor Erarich. Treinarei todos os dias.
***
            No ano seguinte:
– Já descobriu como eu faço para matar o gigante?
            – Ainda não.
***
            Dez anos depois:
– Já descobriu como eu faço para matar o gigante?
– O que há lá fora que é maior, mais antiga e mais forte que Jotun?
– Não sei.
– Pense, garoto.
O jovem Hjalmar foi até o quintal e avistou a gigantesca árvore milenar que fazia sombra por toda a redondeza e era a coisa mais imponente que existia no condado, mas ele nunca a havia enxergado assim.
– É o seguinte... – Erarich segredou o plano em seu ouvido.
***
            Era para ser só mais um dia como os outros no condado se não fosse o acontecido: quando Jotun, voltando para casa, passou em baixo da gigantesca árvore de seu jardim, um jovem, usando um elmo e uma adaga de anão, atirou-se de cima da árvore sobre a cabeça do gigante e desferiu um golpe certeiro e fatal.
            Se não fosse a visão daquele colosso caído com a cabeça rachada e a lâmina da adaga de Hjalmar ensanguentada, ninguém acreditaria no feito daquele jovem e determinado herói. E este bardo não cantaria essa canção.




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