Livraria Noturna - Natanael Otávio


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natanael Otávio ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.


Livraria Noturna

Natanael Otávio


Heitor estranhou ao passar pelo prédio do antigo armazém de frutas e notar que havia uma livraria em seu lugar. SEBO STOKER, leu na fachada. Interessante, disse a si mesmo. Depois eu passo para conhecer. Ele estava a caminho do serviço; trabalhava à noite como segurança de uma universidade.
Quando saiu do trabalho e novamente passou pela livraria, por volta das 23h, Heitor observou que permanecia aberta. Entrou.
Um rapaz estava sendo atendido por um senhor trajando roupas pretas. Ele ficava atrás do balcão enquanto o cliente fazia o pedido. De posse da lista de livros, o senhor chamou outra pessoa, e um tal de Mark, também vestido de preto, surgiu dos fundos do estabelecimento, ele pegou a lista e foi procurar nas prateleiras se encontrava os títulos pretendidos pelo rapaz, enquanto esse aguardava.
O balcão impedia o acesso dos clientes ao acervo da livraria, o que deixou Heitor curioso, pois o normal seria o cliente mesmo procurar os livros desejados.
– E você – o senhor se dirigiu ao Heitor –, procurando por alguma obra em especial?
– Eu? É... Na verdade, eu gostaria de conhecer o seu acervo. Eu gosto do contato com os livros.
– Este é um sebo diferente. Não sei se você notou, meu jovem, só abrimos no período noturno e nós temos um grande acervo, porém não é permitido ao cliente o acessar pessoalmente. Então, você me diz o livro que quer e o Mark ou a Lívia procura pra você.
– Entendi – disse ele, um pouco contrariado. – Já está meio tarde, vou pensar em alguns títulos e amanhã eu volto.
– Qual o seu nome?
– Heitor.
– Eu me chamo Jeremy. Ficaremos te esperando.
***
            Heitor voltou à livraria na noite seguinte. Ele fizera uma pequena lista, entre os autores pretendidos estavam C. B. Kaihatsu, Carlos H. F. Gomes, Meg Mendes, Morphine Epiphany, Natanael Otávio...
– Você tem bom gosto – disse o senhor Jeremy. – Acredito que temos todos.
Uma jovem de nome Lívia, foi quem se encarregou de procurar pelos títulos. Ela formava um belo contraste com a pele branca como giz e os cabelos escuros como carvão. Também vestia roupas pretas como os outros.
– É sua filha? – indagou Heitor.
– Sim. E o Mark é meu irmão mais novo. Somos só nós três e estamos sempre mudando de cidade, pois não ficamos muito tempo no mesmo lugar. Você acredita que pessoas herdam livros e até mesmo bibliotecas de seus pais ou avós e não se dão conta do valor do que herdaram... Compro lotes fechados de livros dessas pessoas pagando uma miséria por eles e muitas vezes encontro algumas raridades de valor inestimado. Isso acontece em quase todas as cidades.
– Fiquei ainda mais curioso. Pena eu não poder conhecer o seu acervo de perto.
– Meu jovem, vou lhe abrir uma exceção, e é só porque gostei de você.
Lívia voltou com os livros que Heitor havia encomendado.
– Encontrei todos – disse ela.
– Que bom! – Heitor sorriu – Qual o valor?
– Depois vemos isso – disse o senhor Jeremy. – Agora, como lhe prometi, vou pedir à Lívia para lhe mostrar os nossos livros.
– Nem sei como lhe agradecer.
– Não precisa.
***
            O acervo era mesmo enorme e incrível. Tinha as prateleiras dos livros mais comuns e bastante procurados pelos estudantes como os clássicos brasileiros e universais; dos best sellers; dos seminovos; e apenas uma das raridades.
– Os raros você só pode ler aqui. Você levou sorte, meu pai não costuma abrir o seu acervo para as pessoas. Acho que ele gostou mesmo de você.
– É que fui bastante insistente – disse o jovem, pegando um exemplar de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. – Machado de Assis. Gosto muito.
– Esta é uma primeira edição – informou Lívia.
– Sério?! – Heitor ficou emocionado, parecia não acreditar.
Eles foram até uma das mesinhas distribuídas na lateral esquerda da livraria. E lá ele pode conferir com calma a relíquia que tinha nas mãos.
            Horas depois...
– Precisamos fechar. Logo o sol vai se abrir. Volte amanhã para terminar de ler – disse Lívia.
– Com certeza eu voltarei. Mas, bem que nós podíamos sair e, sei lá, tomarmos um sorvete à tarde...
– Não posso. Não saio durante o dia.
– Mas, se trabalha à noite, que horas sai para se divertir?
– Heitor, não quero falar sobre isso. Melhor você ir.
– Se é assim, tudo bem – disse o jovem, contrariado.
***
            Como era de se esperar, Heitor voltou ao Sebo Stoker na noite seguinte. Ele trouxe um pote de sorvete e convidou Lívia para tomar com ele.
            – Se Maomé não vai a montanha... – brincou.
Lívia olhou para o pai como se pedisse permissão. E estranhou que o senhor Jeremy não fez objeção alguma.
            Depois de tomarem o sorvete, a jovem perguntou se Heitor não iria ler o livro. No que ele respondeu que sim, mas antes queria conversar um pouco mais com ela, conhecê-la melhor.
– Quantos anos você tem? Do que você gosta? O que sonha da vida?
            – Não gosto de falar da minha idade. Gosto de... Gosto de livros... A estética de um livro é tão impressionante: a capa, as páginas, as letras, o poder de nos ensinar, nos divertir, nos emocionar... E, agora, gosto de sorvete – ela riu. Era a primeira vez que ria na presença de Heitor. – Sonhar eu até sonho, mas não gosto muito. E você?
            – Não sei o que dizer. Soaria repetitivo ao que acabei de ouvir. Exceto pela idade. Não tenho problemas em dizer que tenho vinte e dois.
            – Se eu tivesse apenas vinte e dois também não me incomodaria.
            – Não entendi. Pois aparenta ser tão nova. Acho que não passa dos dezoito.
            – Melhor você ler o livro. – Lívia se levantou e deu meia volta para sair.
            – Eu disse alguma besteira?
            – É que não sou como ou quem você pensa.
            – Então me diz quem é você?
            – Se quer mesmo saber, venha comigo. – Ela conduziu Heitor até um salão no fundo do prédio. Lá havia um espelho enorme, como se estivesse abandonado. Pararam diante do espelho – O que você me diz?
            – Só porque eu não vejo o seu reflexo, você achou que eu iria me assustar? Ou que eu pudesse fugir?
            Lívia foi pega de surpresa.
            – Eu não entendo – disse ela. – Quando soube?
            – Eu já desconfiava de todos vocês, pois são tão peculiares. Havia também o fato de ser este estabelecimento uma livraria noturna, o que me deixou, desde o início, com uma pulga atrás da orelha. Porém, certeza mesmo eu só tive quando você disse que não podia sair durante o dia, é claro que era por causa do sol. Então, ontem mesmo, na saída, eu conversei brevemente com o seu pai...
            – Ele disse o que somos?
            – Não. Mas também não negou.
            – E como nós ficamos?
            – Juntos como qualquer casal.
            – Você sabe que é impossível.
            – Não se eu me tornar um de vocês.
            – Não temos como garantir que um novo ser transformado não vá sair por aí atacando as pessoas, você entende? É melhor nos afastarmos.
            – E o meu amor por você, não conta?
– Heitor tem razão – disse o senhor Jeremy, entrando no salão. Mark estava com ele.
– Isso significa que... – Lívia parecia não acreditar no que estava por vir.
– Se é mesmo o desejo de Heitor entrar pra família, abriremos uma exceção – confirmou o tio Mark.
– É o que mais quero! – exclamou Heitor, prontamente.
– Vamos, Mark – Jeremy convidou o irmão a se retirar junto com ele. E, fitando Lívia, disse: – Agora é com você, minha filha.
Quando o pai e o tio deixaram o salão, Lívia se transformou e cravou as presas no pescoço do amado. Heitor era agora um vampiro.


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