Janela dos Pesadelos - Morphine Epiphany
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Janela dos Pesadelos
Morphine Epiphany
Gabriel repetia ''Woah, livin' on a prayer'', enquanto
a voz de Jon Bon Jovi penetrava seus ouvidos pelo walkman.
A música lhe dava mais energia para chegar
rápido em casa. No horário de almoço, toda a família estaria reunida para ver a
participação da pequena Carol no programa ''Hora do Inferno''.
Se entregou ao ritmo da música, ajeitou a
jaqueta de couro e com os olhos fechados não percebeu que já estava perto de
sua residência. Apertou o botão de stop do walkman e se deparou com o carro dos
pais estacionado na frente da casa.
Entrou pela porta da frente e foi direto para a
sala. Encontrou a televisão com chuvisco, fora do ar e a sala vazia. Estranhou
e caminhou até a cozinha. Nenhuma panela aquecida, nenhum cheiro de comida
caseira.
Abriu a geladeira pegou uma Coca-Cola e um
pedaço de torta. Chamou pelos pais e pela irmã. A casa se mantinha em silêncio,
com exceção do chuvisco da televisão. Ele então começou a subir as escadas para
o andar de cima e foi interrompido por uma música animada que vinha da sala.
Gabriel se deparou com a exibição do programa
''A Hora do Inferno''. Ruy Peralta com um figurino de ursinhos dançava com
várias crianças, em um ambiente que imitava um parque de diversões, repleto de
cores e sorrisos. A plateia era formada absolutamente pelo público mirim. O
apresentador chamou um quadro musical com um grupo infantil cantando o sucesso
do momento ''Locomotiva Chocolate''.
O adolescente deitou no sofá, bebendo seu
refrigerante e comendo torta. O telefone tocou. Gabriel atendeu e ninguém
respondeu. Ele retornou ao sofá e ficou empolgado quando viu a sua irmã menor
ao lado do apresentador. Ruy Peralta se abaixou e perguntou para a menina:
—Qual é o seu nome, princesa?
—Carol!
—E você é viúva ou casada?
—Eu tenho sete anos.
O apresentador riu e iniciou o concurso de
dança. Carol dançou com outras meninas. O homem pediu aplausos e a garotinha
ganhou a maioria.
—Parabéns, princesa Carol!
— Obrigada!
—Você quer ganhar uma linda boneca da cantora
Guta?
—Sim, sim, sim!
—Então, vamos escolher uma janela! Porque, agora
começa a ''Janela dos Pesadelos''.
As crianças pulavam, brincavam, uma música alegre
tocava enquanto o cenário surgia e vários assistentes de palco vestidos de
fantasmas animavam a plateia.
Três janelas bem coloridas com temas macabros
apareceram na tela. Ruy Peralta entusiasmado conversava com a plateia, falando
sobre o perigo da janela errada.
—Princesinha, você já escolheu uma janela?
Carol respondeu quase gritando:
—Sim!
—Garotinha decidida. Palmas para a pequena
Carol! Palmas!
—Fala para o tio, qual o número da janela?
—Três!
— Mamães, papais, filhinhos e cachorrinhos, a
princesinha Carol escolheu a janela número três. Será que o pesadelo vai se
realizar?
A janela número um, tinha um disco de vinil com
músicas da cantora Guta sendo tocado ao contrário e repetindo um mantra
assustador. As frequências foram deixando as crianças sonolentas e aos poucos
elas foram desmaiando. Na janela número dois, um palhaço com os olhos
arrancados dançando bambolê e empunhando um machado chamava o nome da menina.
Com a plateia completamente em letargia, o
apresentador continuou o programa de forma constrangida e continuou o quadro.
Finalmente, na terceira janela, havia uma caixa com a boneca da cantora Guta. A
garotinha abriu o sorriso e agradeceu. Ruy Peralta satisfeito encerrou o
programa. O chuvisco surgiu novamente na tela.
Gabriel escutou uma música vindo do andar de
cima. Ao chegar no corredor, identificou a música da cantora Guta sendo tocada
ao contrário. O som vinha do quarto da pequena Carol. Adentrou o quarto e
procurou pela irmã. Apenas a vitrola ecoava pelo ambiente. O rapaz sentiu dedos
gélidos em seus braços e saiu apressado. Correu até o quarto dos pais, a porta
estava trancada.
O ritual proclamado na música, lhe despertava
calafrios. Olhou para o chão e o vermelho dos silenciosos escorria pelo quarto.
Empurrou, chutou e conseguiu romper a porta.
Seus pais na quietude horrorosa dos mortos,
cobertos de facadas e sua irmã adormecida em uma poça escarlate sem respiração.
Desorientado, ele encontrou a boneca da cantora nos braços da irmã. Pegou o
brinquedo e jogou no chão. Tentou abraçar os pais e a irmã quando seus olhos
ficaram aterrorizados com a imagem da cabeça da boneca.
Um punhal banhado com o líquido de sua família e
uma carta de instruções.
''Escute a música e brinque comigo!
Brinque comigo e pegue o punhal
Vá ao quarto e brinque com o punhal!
Com o punhal ame os seus pais!''
Gabriel largou a boneca. O som da vitrola ficou
mais alto. O punhal lhe deixou em silêncio.
Gostei
ResponderExcluirMuito lírico :)
Muito obrigada, Humberto!
Excluir