O Encanto de Jorogumo - Morphine Epiphany
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Natanael e Carlos, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
O Encanto de Jorogumo
Morphine Epiphany
Após o divórcio, era a primeira vez que Henrique
moraria sozinho. Quando vendeu sua casa no Brasil e foi direto para uma aldeia
no Japão, os seus amigos se preocuparam. Ele ansiava ficar isolado. Devidamente
afastado dos seus.
Na primeira semana, o sono simplesmente não
surgia. Eufórico e encantado com aquela paisagem dominada por tons esverdeados.
Sua nova habitação parecia abraçá-lo. O inverno ainda estava bem distante e
Henrique conseguia aproveitar a calmaria dos dias sem neve.
Quando finalmente, a quietude da noite chegou e
os seus sonhos surgiram, o almejado sono foi interrompido pela doçura sonora
que saía de um Biwa. O instrumento soava uma música hipnótica. Aos poucos,
escutou uma voz angelical se sobressaindo, cantando uma tradicional música do país.
Henrique despertou e caminhou até o engawa.
Observou de longe, a figura de uma mulher atraente tocando o Biwa na área
externa da casa. Receoso, diminuiu os passos para não interrompê-la. Seus olhos
eram caçadores e pareciam dominá-lo. Ficou ali, escutando a música tocada por
aqueles leves dedos.
Sua ex-mulher naquele momento parecia uma
lembrança ruim. Os movimentos da jovem e sua beleza, deixavam-no inteiramente
preso. Os dedos ficaram mais lentos, a voz ficou baixa e a música foi se
esvaindo.
Tomado por aquela jovem, ele segurou sua mão,
levando-a para o interior da casa. Ele preparou um chá e os dois se sentaram no
chão diante da mesa chabudai. Graciosamente, ela começou a tomar chá enquanto
Henrique abduzido não parava de olhar cada minúsculo ponto de seu rosto.
Feito um menino, ele perguntou desajeitado:
— Qua..Qua...Qual o seu nome?
Em um tom sedutor, ela respondeu:
— Jorō!
— Que belo nome!
Jorō tomou a iniciativa de segurar a mão de
Henrique e de um jeito malicioso mostrou todo o seu interesse. Um pouco tímido,
ele tentou se desviar, mas a mulher lançava o olhar mais afrodisíaco de todos e
a humanidade nele se perdia feito um cão totalmente dependente.
O prenúncio do romance foi agraciado pelos sons
do Biwa. Tocando uma música sozinho, sem a necessidade dos dedos. A mulher
entrelaçou Henrique e com a suavidade dos apaixonados disse:
— Casa comigo!
Henrique respondeu automaticamente:
— Sou divorciado e não tenho pretensão de casar
novamente.
Enfurecida, com os olhos tenebrosos ela o
agarrou. O homem sentiu enormes teias abraçando seu corpo com intensa força. As
teias ficaram mais apertadas, Henrique já não controlava o fôlego. O mínimo da
respiração ia embora rapidamente. Ela esmagava o seu corpo com os fios de seda,
enquanto sua aparência mudava drasticamente.
A jovem era metade mulher e metade aranha. O
corpo grotesco com pernas gigantes, pintas e repleta de fluidos aterrorizaram
Henrique. A melodia do Biwa se tornava mais forte e a atenção do homem ficou
dispersa.
Ele parecia anestesiado, sem perceber o sonoro
quebrar de seus ossos e o esmagar de seus músculos. A mulher aranha admirava
sua presa entorpecida, seus olhos se iluminaram e as garras bucais arrancaram a
cabeça de Henrique. O sangue foi drenado e apenas a sua casca restou. A presa
descansou. Joro após a refeição retomou a forma humana.
Muitos dizem que ela ainda assombra o vilarejo.
Ela também foi vista na cachoeira Jōren. Jorogumo é o seu nome e a canção de
seu Biwa entorpece.
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