Encarcerado - Naiane Nara


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Naiane Nara ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Encarcerado

Naiane Nara


Ouvir os trovões rimbombando lá fora é torturante; meu corpo continua a se encolher desnecessariamente, não é como se eu pudesse ser atingido de onde estou, essa espécie de não-ser. O ar é muito abafado, sem falar no calor e umidade excessivos e angustiantes. Minha respiração curta e entrecortada parece não levar o oxigênio aos meus pulmões, o coração acelera, os olhos começam seu pisca-pisca frenético, por quanto tempo mais posso aguentar?
Meus fones de ouvido… Nunca saio sem eles. Minha vida sempre tem uma trilha sonora, mesmo sendo esse poço de monotonia e infelicidade. Onde estão agora, que não ouço nada, nem os sinto displicentemente jogados em meus ombros?
Não sei onde estou, assim sendo, não sei o que posso fazer para sair daqui. Não sinto nada, e isso me enoja. Quero sentir qualquer coisa, mesmo que seja a carícia da dor em forma de bofetada ou soco. Por que tipo de transformação posso ter passado para que nada me atinja, nem o suor, nem a fome, nem a dor, só essa dormência agonizante?
Preciso, preciso sair, sentir uma baforada do ar no rosto, sentir o calor fustigante da minha cidade. Não consigo pensar em uma solução, mas como? Não tenho ferramentas, um simples chave de fenda faria milagres, mas mesmo que eu a tivesse, quem me garante que conseguiria usar, se não sinto meu corpo em mim?
Onde estão minhas mãos? Não as sinto nas extremidades de meu corpo, terei perdido em algum acidente? Seria uma simples recuperação pós cirúrgica onde estou sentindo a síndrome dos membros fantasmas de que os médicos tanto falam?
O que eu estava fazendo antes de apagar desse jeito? Cozinhando, lendo, dirigindo? Sei que havia algo em minhas mãos antes de tudo ter um fim, mas não consigo recordar mais nada, só a escuridão...
Não, não posso me permitir pensar dessa maneira desesperadora! Se trata de algum engano, algum erro temporário! Logo serei resgatado e poderei sentir o calor do corpo de alguém e provar o delicioso gosto de um hambúrguer!
Mas por quê deixar esse local tão escuro e abafado? Que tipo de hospital permite esse tipo de atendimento? Minha mulher deve estar tendo uma síncope na recepção agora mesmo. Céus, ela vai passar dias falando disso…
Essa sensação de urgência continua rugindo em meu peito. Preciso tomar algum atitude, mas não consigo controlar a mim, é como se fosse estranho ao meu corpo, que foi tão meu por 35 anos… Como pedir ajuda se não encontro meus lábios?
Sei, conscientemente, que deveria estar sentindo alguma coisa… Tenho, ao longe, a sensação que esse lugar é apertado e o cheiro de umidade e raízes não me foge de todo…
Mas como sentir meus dedos para tentar buscar a liberdade? Tento abrir a boca, mas não a sinto também, só minha respiração ficando ainda mais profunda e te rápida, ensandecido tento movimentos a esmo, mas em vão!
Meu Deus, em vão! 
Não consigo pedir ajuda! Terei que ficar aqui até… até… Até quando? Até o fim do mundo? Eu não aguento, juro que não aguento essa escuridão, esse silêncio, o não sentir nada, nem que seja uma mísera dor de barriga, ou as lágrimas que deveriam estar correndo pelo meu rosto, ou as unhas que deveriam doer, quebradas e sangrando, por não existir em sua totalidade pois minhas mãos seriam sacrificadas no processo de sair daqui….
É tão escuro, silencioso e isolado, se eu soubesse que seria assim teria pedido para ser cremado.

*****

Comentários

  1. Uau, quantas vezes eu tive pesadelos ,ao sonhar como seria a sensação de estar dentro de um caixão, fechada uns palmos abaixo do solo.Quantas vezes me passou pela cabeça ,o que sentia,o gritar,o chorar, o ter medo e eis que está aqui tudo retratado.Adorei

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    1. Fico feliz que tenha gostado! Revisitar os medos e enfrentá-los é uma boa maneira da gente ficar mais forte, né?

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  2. Caraí, perfeito. Tô me sentindo sufocada até agora. Parabéns mais uma vez. Bem escrito, cadenciado e bem construído. Que pavor ser enterrado kkkkk. Mais uma vez irei ressaltar à família que quero ser cremada.
    Quero ler mais contos!!!!!

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    1. Obrigada, querida.Olha, eu também deixei avisado por aqui mais uma vez: por favor, cremação, nada de enterro!

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