O Pranto Intolerável - Morphine Epiphany


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



O Pranto Intolerável

Morphine Epiphany



Inspirado na lenda do bairro Chora Menino

As proximidades do Cemitério de Santana em São Paulo, pareciam mostrar serenidade e o preço era bem acessível para uma mãe de primeira viagem.
Ana Clara estava vivendo de algumas economias que havia feito para a faculdade, mas os seus planos mudaram quando Gabriel surgiu em sua vida. O bebê estava com cinco meses quando a jovem encontrou aquela pequena casa no bairro Chora Menino.
Nas primeiras semanas, Gabriel chorava muito e não conseguia dormir na nova casa. Ana Clara tentara dar a mamadeira, pegava-o no colo, trocava as fraldas, dava carinho e nada adiantava. Uma vizinha chamada Lurdes surgiu em sua porta no meio da noite, oferecendo um chá para aliviar a insônia do garotinho.
Era uma senhora de longos cabelos brancos e muitas rugas, com uma expressão soturna e ao mesmo tempo acolhedora. Ana aceitou a visita da mulher, encheu a mamadeira com o chá e segurou o filho. A criança foi aos poucos se acalmando a cada gota do líquido e finalmente adormeceu.
Quando Ana se virou para agradecer, a senhora não estava mais lá. Ela escutou o som de uma grande porta de madeira se fechando na casa ao lado.
Ao colocar o filho no berço, a jovem sentiu os olhos exaustos. Deitou-se procurando repouso. Ouviu uma movimentação que vinha da casa vizinha. O som de uma portinhola abrindo e fechando diversas vezes e bem ao longe um coro de gatos no cio capaz de congelar os ossos. O sono se esvaiu, a portinhola tornava-se cada vez mais irritante e a sonoridade dos gatos a atormentava.
A moça queria evitar confusão com a vizinhança e por esse motivo, resolveu permanecer em silêncio enquanto seu corpo desgastado pela noite mal dormida cobrava sua parcela vital.
Ana nunca conseguia encontrar a vizinha durante o dia. Batia na porta e nenhum ruído surgia. Ela então aguardava dona Lurdes todas as noites. A senhora sempre aparecia com o chá que tranquilizava Gabriel, além disso, durante todas as madrugadas os sons irritantes se repetiam. A portinhola abrindo e fechando incessantemente e os gatos que pareciam bebês chorando em uma frequência demoníaca.
Com o passar do tempo, os arredores da casa começaram a receber visitas de ratos e urubus e um odor incontrolável de carne podre rondava a região. Gabriel quase não acordava, passava metade do dia dormindo. A vizinha já não aparecia com o chá. Ana de vez em quando, avistava um vulto na portinhola da casa de Lurdes.
O ruído da portinhola se intensificava, os urubus e ratos habitavam o telhado e o quintal da casa de Lurdes. E agora mais do que nunca, Ana estava certa do ruído dos gatos. Não eram gatos! Eram bebês chorando!
Gabriel dormira sem o chá naquela noite e apesar das assombrosas movimentações na vizinhança, Ana pegou no sono. Meio letárgica. O vulto adentrou a casa, se aproximou do berço acordando o menino. O choro de Gabriel tirara a mãe do transe.
Lurdes segurava o bebê no colo e um fétido odor invadiu o cômodo. Ana tentou impedir a mulher. Os urubus transformavam o telhado em uma orquestra fúnebre e os ratos mordiam os pés de Ana. A senhora saiu com o bebê.
Com dificuldade, Ana se livrou dos ratos. Sangrando e tomada por lancinante dor caminhou até a casa da vizinha. Pela primeira vez, a porta de madeira estava aberta. Atravessou os fundos da casa e seguiu até o vale. O lugar estava tomado pela podridão.
Os urubus, os ratos e as baratas dominavam a região. Eles se alimentavam de dezenas de bebês mortos e jogados ali. O coro de bebês chorando se infiltrou nos ouvidos de Ana levando-a ao tormento absoluto.
A ponto de desmaiar, ela enxergou de longe a mulher com Gabriel no colo. As pernas não a deixavam correr, as mordidas dos ratos lançavam uma agonia terrível em suas veias. O bebê chorava cada vez mais alto. Lurdes gargalhava sinistramente.
Ana desmaiou no momento em que o filho foi dominado por urubus. O choro se extinguiu. Temível pausa entre mãe e filho. Ela ficou adormecida entre bebês silenciosos, ratos famintos e urubus devorando seu único filho. Lurdes sumira. 

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