O Saxofonista na Cidade das Feras - Morphine Epiphany


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



O Saxofonista na Cidade das Feras

Morphine Epiphany


Releitura do conto ''O flautista de Hamelin''
No final dos anos 90, ocorreu uma infestação de bestas em uma cidade do interior de São Paulo. Criaturas de pele avermelhada do tamanho dos lobos e com a voracidade de mil leões.
Os habitantes completamente aterrorizados, escondiam-se debaixo das camas, trancavam portas e janelas com ferro e madeira, caminhavam em constante pesadelo. Os moradores com melhores condições fugiam para as cidades vizinhas e aqueles que se mantinham na região, evitavam sair de casa.
Estabelecimentos fechados, economia decadente, pessoas enlouquecendo.
As feras costumavam se alimentar de qualquer espécie viva. Ratos, baratas, cães, gatos e humanos eram os alimentos favoritos. Com o pânico instaurado, diversos cartazes e notícias de alerta se espalhavam pela região. Emissoras de rádio e TV locais, despertavam a população com boletins sobre os últimos desaparecimentos e mortes causadas pelas bestas.
As autoridades locais começaram a oferecer uma recompensa para o salvador da cidade. Aquele que conseguisse exterminar todas as criaturas e devolvesse a paz, seria recompensado com um pequena fortuna.
O único bar que permanecia aberto na cidade, era o bar Hamelin''. Dois homens falavam bem alto sobre a recompensa que ganhariam quando utilizassem suas armas para matar todas as feras. Risos e aplausos se misturavam. A euforia durou alguns segundos e foi interrompida pela chegada de um forasteiro.
Um jovem carregando um saxofone surgiu na porta do bar e proclamando:
— Vim buscar a minha recompensa! Nenhuma praga irá sobreviver nesta cidade!
As notícias do forasteiro que prometia o extermínio das criaturas foram divulgadas rapidamente, devolvendo o mínimo de esperança para a população.
Quando o Sol já deixara de arder e apenas as silenciosas ruas se manifestavam, os cidadãos aguardavam pela derrota dos monstros. Os gemidos infernais saíram incontroláveis das bocas daqueles animais. Dissonantes prenúncios do canibalismo.
Os ruídos das bestas gradualmente dominavam a sonoridade noturna. Algumas pausas para a refeição e novamente retornavam ao som da caça. De modo abrupto, os ouvidos dos habitantes captaram uma melodia vinda de um saxofone.
A cadência tomava rumo, enquanto o silencioso transe chegava para os animais. O rapaz emitia frequências de calmaria e o seu instrumento fisgava as criaturas. Tocava e caminhava na direção de um desfiladeiro. Feito um maestro, conduzia as feras com a sua música.
Ao atingir a mais perfeita nota, as feras seguiram o movimento do jovem e aos poucos, foram caindo no desfiladeiro. A música foi substituída pelas audíveis quedas. Nenhuma besta sobreviveu!
A quietude retornou para a cidade e todos comemoraram. O saxofonista havia eliminado as feras. As autoridades desmereceram a façanha do rapaz e não lhe deram nenhuma recompensa. Após discussões, ele foi expulso para sempre daquela cidade.
Algumas noites depois, quando a cidade estava retomando sua energia, os habitantes escutaram novamente a melodia do saxofone. Todas as crianças que estavam dormindo, levantavam-se e caminhavam na direção da música. Despertas, as crianças eram conduzidas pelo saxofonista. Os pais tentaram alcançar seus filhos, mas já era tarde. Tanto o músico quanto as crianças haviam sumido em uma grande névoa.
O clima desesperado era uma nuvem fixa nos céus da cidade. Mães chorando por todos os cantos. Pais se sentindo impotentes. Alguns entrando em colapso, outros se arriscando em buscas. As autoridades enviaram homens ao desfiladeiro e nenhuma criança foi encontrada.
Semanas se passaram, até que em uma noite com a temperatura mais baixa da região, lamentos e sussurros de crianças foram se propagando pelas ruas. Tomados pela aflição, os pais saíram correndo, chamando pelo nome dos filhos. As crianças se aproximaram das casas e os pais finalmente foram se acalmando.
Em pleno êxtase de reencontro, os pais não perceberam que seus filhos retornaram modificados. Quando abraçaram as crianças, sentiram os dentes sendo cravados em sua carne. Mordidas, dor, padecimento! Os pais estirados na porta de casa, ouvindo a música da fome das crianças mortas.
As crianças retornaram com a voracidade de mil leões. 

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