O Outono dos Corpos - Morphine Epiphany



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



O Outono dos Corpos

Morphine Epiphany


O corpo dela assemelhava-se ao outono, transitando entre os olhos que despertam pela primeira vez e o fôlego feito das folhas sempre caindo.
Uma ininterrupta queda sem o prenúncio de inverno. O gélido ósculo do futuro não poderia adentrar aquelas janelas.
No leito de Elizabeth, todos os vestígios de existência haviam deixado o cômodo. Os aparelhos já não possuíam ruído algum, a carne não repetia nenhum movimento, os pulsos penetraram a floresta do silêncio.
Agatha observava sua imóvel tia, tomada pela natureza final de um ciclo. Aquele incômodo e devastador inchaço, viajou cada milímetro da massa que um dia se chamou Elizabeth. Os médicos e suas mãos lavadas. Os diagnósticos e suas devastadoras assinaturas.
Os amendoados olhos invadidos pela melancolia não suportavam olhar para o cadáver e o excesso de quietude no quarto, carregavam seus pensamentos para um pesadelo envenenado por serpentes.
Sua mãe sempre tentou controlar os acessos raivosos de Agatha, mas não obteve nenhum êxito. No colégio, na casa das amigas, em lugares públicos, a garota repetia palavras desconexas em voz baixa. Após repetir o mantra que sua mãe lhe ensinara, a raiva se dissipava e ela recuperava a calmaria velada da humanidade.
O esforço para repetir as velhas palavras naquele momento, exigia uma força que ela não conhecia. Desde que a mãe de Agatha morrera há muitos anos, tia Elizabeth se tornara mãe substituta. A convivência, o amor, um carinho incontrolável e a cumplicidade de almas gêmeas, fizeram com que Agatha a considerasse mãe oficial.
No enterro de sua mãe, Agatha não havia chorado e não se lembrava de ter demonstrado um exagerado tipo de agonia ou desespero. Era como se a menina apenas tivesse dito ''tchau'' para a mãe e se conformasse rapidamente.
Agora, diante da tia, os sentimentos eram peculiares. Metade de seu peito parecia estar sendo arrancado com as mais violentas garras e todo o processo era feito sem qualquer espécie de anestésico. Queria urrar para que uma partícula daquele sofrimento reverberasse pelo mundo e talvez assim, ela sentisse metade do sofrimento.
Sua mãe biológica não estava lá para repetir o mantra nos seus ouvidos. Nenhuma interferência. Ela poderia jorrar, sem se esconder. Sua mãe do coração não respirava mais e ela tinha o direito de expulsar o desespero. Os aparelhos moviam-se de um lado para o outro, os vidros partiram-se, os objetos no quarto chocavam-se e atingiam a parede.
Uma enfermeira invadiu o local e tentou segurar Agatha. Os reforços chegaram, Outros enfermeiros agarravam os braços da jovem. Um deles empunhava uma seringa e mirava a veia da garota. Em plenitude raivosa, a seringa virou para o outro lado, mirando a garganta do enfermeiro. Outras seringas saltaram dos bolsos dos enfermeiros e se instalaram em suas gargantas.
Agatha controlava as seringas e finalmente seu pensamento ordenou o ataque das seringas. Os enfermeiros caíram sem vida e a garota se dirigiu ao berçário do hospital.
Derrubando funcionários e enfermeiros, ela chegou ao berçário. Uma forte energia a conduziu até uma garotinha de bochechas rosadas. Agatha segurou a pequena no colo e retirou uma tesoura da bolsa. Com a tesoura, fez um corte no braço da menina. As gotas caíam enquanto palavras em um idioma desconhecido eram pronunciadas. O ritmo das palavras ganhava intensidade, a criança chorava, o sangue pintava a roupinha branca. Os olhos de Agatha se avermelharam.
O choro da garotinha perdeu frequências, a voz de Agatha era incisiva e soturna. Elizabeth parecia percorrer pelos seus ouvidos. Agatha voltou ao seu estado normal e se deparou com o bebê morto em seus braços. Largou a criança e correu para o quarto da tia.
Elizabeth estava sentada na cama. Apresentava uma boa aparência e nenhum resquício de doença ou morte. Abraçou a sobrinha, sem perguntar nada.

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