O Preço da Magia - Naiane Nara
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Naiane Nara ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
O Preço da Magia
Naiane Nara
Continuei deitada, mas meus olhos ainda
ardiam, insistentemente abertos. O coração se agitava dolorosamente no peito, podia
sentir ansiedade e a dor se entrelaçando dentro de mim. A angústia me causava
repulsa: daria certo? Afinal, foram muitos os anos que me tornei relapsa na arte.
O amor enfraquece, já diziam os antigos.
A felicidade faz esquecer.
A alegria de amar e ser amada nunca
havia me ocorrido antes. Toda a minha vida foi dedicada aos livros, a natureza,
a magia de minhas ancestrais. Como poderia estar pronta para resistir a uma
tempestade avassaladora como essa?
Porém, as flores não são eternas. A
primavera não fica para sempre, não é mesmo? Atravessamos as tormentas dos
problemas e dúvidas, nos reconstruindo e vencendo todos os obstáculos.
E depois de tudo, de termos nos
alegrado, entristecido, festejado e superado, no outono de nossa relação,
depois de anos de conhecimento e intimidade, você esqueceu tudo por outra
pessoa.
Fiquei só, inconsolável por haver te
perdido tão facilmente. Já não ouvia mais o canto dos pássaros, nem as
brincadeiras dos espíritos da natureza. Eu havia me afastado de tudo para ser a
melhor para você.
E agora só restava a vergonha por ter
esquecido quem eu era, de quem descendia, a tarefa que me foi confiada.
Mergulhei na escuridão.
De lá, escutei a voz das divindades
novamente. Os espíritos não me reconheciam, derrotada daquela maneira. E foi o
suficiente para decidir me levantar e retomar as rédeas da minha vida.
Nada ficaria como estava. Eu havia voltado,
e você também o faria.
Retomei meus rituais, meus Sabbats e
Esbats, comemorando minha vida, meu poder. Os pássaros voltaram a cantar para
mim, me contando as novidades. Eles estavam alegres. A outra mulher se
regozijava da minha derrota. Eu só pude sorrir.
Na data auspiciosa, o bem te vi me
trouxe a vítima perfeita. Eu tratei bem aquele ser vivo, com carinho e
solicitude, até mesmo quando o degolei. Banhada em seu sangue, com a vela preta
acesa nas mãos, disse as palavras mágicas da amarração doce, que te traria de
volta, dessa vez para sempre, independente de onde ou com quem estivesse.
Nos próximos dias, recusei o canto dos
pássaros propositalmente. Não poderia me dar ao luxo de ficar ansiosa e
estragar tudo, toda a energia e o trabalho. Esperei docemente.
Remexendo na terra, recriando minha
horta, senti o Sol se ensombrecer. Algo acontecera, mas eu não tinha ânimo de
ver nada que não fosse o resultado do meu esforço.
Me banhei em óleos e essências de amor,
longevidade e fidelidade. Soltei os cabelos, coloquei nosso vestido favorito, o
chapeuzinho delicado e fique à espera.
A noite, quase carregada pelo sono, com
uma taça de vinho aromático quase vazia nas mãos, finalmente as batidas tão
esperadas na porta.
Fingi indiferença, saboreando o momento.
Mas as batidas se tornavam ainda mais insistentes e violentas: corri até a
porta com a alma sorrindo.
Ao abri-la porém, o maior dos pesadelos
se materializava à minha frente. Você com o terno de que mais gostava,
amarrotado e sujo de terra. As mãos encrespadas permeadas por alguma substância
cinza razoavelmente sólida; seu rosto entortado de uma maneira incompreensível,
os cabelos desgrenhados e os olhos injetados e sem vida.
Sua boca retorcida tentava sussurrar com
esforço.
Minha mente aterrorizada não era capaz
de pensar. Estávamos amarrados, desde os confins do universo, até o final dos
tempos, irremediavelmente.
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