Noite Estrelada - Naiane Nara





Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Naiane Nara ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Noite Estrelada

Naiane Nara


Acordara repentinamente, sem ânimo algum. Dessa vez o responsável não era o emprego horrendo que se assemelhava a uma prisão. Não; dessa vez a falta de ânimo se dava por causa da cirurgia que tinha que fazer à tarde. Claudio sempre odiou injeções, bisturis, exames: tudo que fosse relacionado à medicina sempre fora repudiado em sua família.
Por muitos anos, sequer soube seu tipo sanguíneo. Sua mãe lhe assegurava, desde muito pequeno, que as pessoas pioravam em consultórios, clínicas e hospitais, saindo quase mortos. Isto é, quando saíam.
“Esse tipo de lugar só deixa a pessoa mais doente”. Os olhos de sua mãe não emitiam nenhum brilho. “Fique longe filho, deixe que um banho gelado, chás e alguns remédios tratem de você”.
E foi assim que Claudio fez a vida toda. Era jovem, forte; só precisava se manter assim para não precisar de nenhum tratamento mais sério. E para que isso ocorresse, uma boa alimentação, exercícios e ter bichinhos por perto era o ideal. Não havia necessidade de correr até o hospital mais próximo em toda gripe, como alguns de seus amigos faziam.
— Lugar sujo, cheio de bactérias. — Acabou dizendo em voz alta.
O nojo percorreu a sua espinha, fazendo com que ele se arrepiasse. Sempre fizera o melhor pelo seu corpo, por que fora surpreendido daquela maneira?
Como odiava as malditas pedras que estragaram sua época favorita do ano!
Teria que se recolher ao pior lugar, com as piores imundícies da espécie humana, em pleno Halloween, sua data mais esperada de todo ano, a mais significativa e bela, onde as melhores coisas da sua vida aconteceram.
Levantou-se sem vontade, seguindo a rotina da manhã mecanicamente e sem pressa. Após tomar o café, fazer a terrível mochila que deveria suprir suas necessidades na ausência e levar seu gato para a casa de seu irmão, dirigiu até o hospital.
A alegria das pessoas naquele dia 30 de outubro era sem igual; a decoração e fantasias estavam esplêndidas em sua cidade aquele ano. Sentiu uma pontada de dor ao rememorar para onde estava indo e por ter que se privar de toda a diversão.
Suspirou ao estacionar o carro: “Agora só no maldito ano que vem.” Tinha preparado uma fantasia totalmente detalhista de Jack O’ Lantern, que ficaria meses ouvindo as irritantes músicas de natal e só seria tirada do armário dali a muito tempo.
Bem, não adiantava ficar remoendo isso. Tinha que tirar as malditas pedras.
Finalmente entrou e fez sua ficha, suando frio, mas tentando ao máximo não transparecer nada. Fez mais alguns exames de cara fechada, ouvindo o zumbido horrível daquelas máquinas.
Uma vez instalado na enfermaria, deitou-se e ficou olhando o teto, imaginando como seria a festa da noite seguinte. Em sua cabeça, estava maravilhoso e assustador em sua fantasia, dançava e ria; ria muito e bebia vinho até se fartar.
No embalar da música e luzes hipnóticas, se aproximou do espelho no centro da festa, reparando que seu sorriso agora mais parecia um esgar. Sua boca estava muito vermelha, aquele vinho escorria de forma espessa pela sua garganta...
Despertou imediatamente, tremendo e com o coração acelerado. Dormiu e sonhou por um momento, nada demais. Olhou para a janela e já estava escuro. Estranhamente, continuava sozinho, nenhum dos leitos foram ocupados até então.
Quando o maqueiro veio acompanhá-lo ao centro cirúrgico, o encontrou sobressaltado e de olhos muito abertos.
Claudio sentia a boca muito seca e tinha a respiração entrecortada, portanto não disse nada ao longo de todo caminho. Ao chegarem lá, foram recepcionados pelo médico mais carismático que já vira em toda sua vida.
O cirurgião lhe contou histórias para abrandar o nervosismo, piadas de sua própria vida particular, lendas de países distantes. Claudio nem sentiu a agulha do anestesista.
Finalmente a sensação ruim ia passando. Mais calmo, pensou em como foi bobo por ter todo aquele medo de hospitais e lamentou o sonho supersticioso devido à data. Tinha sido tão bem tratado até agora...
Quando suas pálpebras iam pesando, guiando-lhe suavemente para a inconsciência, sentiu uma mudança no olhar do cirurgião. Porém já se sentindo seguro, não pensou que fosse nada até ouvi-lo sussurrar aquelas palavras:
- Espero que aceites a minha oferenda. Jack, pelo poder do sangue derramado, caminhe novamente entre os vivos.
O pânico voltou ao seu peito, mas não houve tempo de reagir. Em um segundo já tinha mergulhado na escuridão.
Os pés descalços, sangrando ao longo do caminho espinhoso. Em uma das mãos, a abóbora acesa. No rosto, a máscara grotesca queimando...
Para sempre.

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