A Morte Te Escolheu - Meg Mendes
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Meg Mendes ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
A Morte Te Escolheu
Meg Mendes
A rua estava
deserta. O silêncio imperava. Era noite de setembro, e o frio da madrugada era
seu único companheiro naquele momento.
Edgar
caminhava atento procurando alguém que pudesse lhe dar abrigo. Há tempos estava
sozinho neste cenário fantasmagórico em uma pequena cidade do interior.
Não sabia por
quanto tempo havia caminhado. Quantas ruas passara em busca de uma única alma
viva. As residências ficavam distantes uma das outras, e em muitos caminhos
pelos quais passou havia apenas terrenos abertos. As poucas moradias que via
tinham um aspecto intrigante.
Em sua
maioria, possuíam grades nas janelas e portas, as luzes completamente apagadas
e sempre havia alguma planta daquelas usadas para espantar o mau agouro. Parecia
que todos se fechavam em seus lares com medo de caminhar pelas ruas.
Chegou a pedir
por ajuda em uma das casas na qual passou. Teve impressão de ouvir barulhos
vindo do interior da residência, mas mesmo assim ninguém veio lhe
atender.
O que
aconteceu naquele lugar que ninguém ousava andar durante a noite? Qual a razão
de todos estarem confinados em seus lares? Haveria mesmo alguma pessoa por lá?
Pensamentos e
mais pensamentos rodopiavam sua mente. O frio aumentava e seus dedos já
começavam a congelar. Sentia fome, mas não tinha nenhum dinheiro consigo.
Também dinheiro não lhe seria útil, pois notou que não havia um único local
onde pudesse adquirir algum tipo de alimento. Eram apenas casas. Poucas, nada
mais que isso. Foi então que percebeu também que em sua caminhada não avistara
nenhum tipo de animal. Gato, cachorro, ou mesmo um pássaro sequer.
Aquele
silêncio era assustador. O local possuía aspectos cada vez mais mórbidos e em
toda sua longa existência, jamais pensara que pudesse sentir-se tão só. Foi
então que avistou ao longe uma construção quadrada, com uma porta de ferro que
estava semiaberta. Era um bar.
A luz estava
acesa e ele pensou se aquilo era real ou se sua mente pregava-lhe uma peça.
Aproximou-se mesmo com receio e espiou lá dentro. Havia algumas mesas com
cadeiras de metal dispostas no salão pequeno e um balcão simples de pedra atrás
do qual encontrava-se uma mulher velha. Ele se abaixou um pouco para passar
pela porta, a senhora não parecia tê-lo visto ainda, então Edgar pigarreou para
lhe chamar a atenção.
— Ora, jovem
Edgar, estava lhe esperando. — a mulher disse ainda sem olhá-lo.
— Como sabe
meu nome?
Hesitou por um
instante, intrigado. Pensou em sair correndo dali, mas precisava de ajuda e
aquela era a primeira pessoa que via desde que chegara naquela cidade esquecida
por Deus.
— Eu sei de
muitas coisas. — a velha suspirou. — Sente-se!
Sem saber o
porquê, ele se aproximou e se acomodou em um dos bancos altos que ladeavam o
balcão. Conforto era o que menos se encontrava naquela posição, mas não teve
como se ajeitar melhor. Sacou o maço de cigarros do bolso.
— Importa-se? —
perguntou com um gesto. A senhora apenas balançou a cabeça e sorriu. Edgar pôde
ver que lhe faltavam alguns dentes.
Riscou o
fósforo, acendeu o cigarro e tragou profundamente. Ao soltar a fumaça, imaginou
todos seus problemas se esvaindo com ela. Mesmo que não fosse verdade, ainda
era reconfortante.
— Fico feliz
que tenha chegado até aqui. — A senhora o encarou.
— O que quer
dizer?
— Eu te
trouxe. Não se lembra dos sonhos?
— Sonhos?
A mente de
Edgar pareceu estalar como uma máquina antiga sendo colocada em funcionamento.
O som era ensurdecedor.
Foi recordando
cada pesadelo que tivera nos últimos tempos e que o levara até ali. Sonhava com
uma cidade perdida, ouvia um pedido desesperado de socorro, via sombras e
escuridão. Havia choro e lamentos. Uma cacofonia torturante.
A boca se
abriu em horror, o cigarro deitado no chão. Levou as mãos aos ouvidos tentando
abafar a sinfonia lúgubre.
— O que isso
significa?
— Você, meu
caro — a senhora sorriu, — recebeu o chamado da Morte. Você recebeu o meu chamado.
— Eu estou
morto? — incrédulo, Edgar tocou o próprio corpo em busca de comprovação.
— Não!
— Mas então…
— Você, Edgar,
será meu substituto. Tomará meu lugar por uma fração da eternidade, até que
haja outro para ficar em seu lugar. Até que complete o seu ciclo.
— Por que
escolheu a mim? Com tantas opções, condenou justo eu. O que de tão ruim eu
cometi em minha vida?
— Muito pelo
contrário, apenas pessoas puras de alma e com a sensibilidade apurada poderiam
receber tal dádiva. Terá o poder sobre a hora derradeira. Sua função é acolher
com bom coração aqueles que fazem a passagem.
— Não quero
isso… essa tal dádiva que diz.
— Ah, querido,
não tem escolha!
Com estas
palavras a senhora se levantou, estendeu para ele um pano negro dobrado. Mesmo
não querendo aceitar aquilo, sentiu-se impelido a esticar a mão para tocar o
tecido.
Um redemoinho
negro pareceu desintegrar o tecido e subir pelo braço dele. Em segundos seu
corpo todo fora tomado e ele soltou um grito de medo. Quando abriu os olhos,
que ele nem percebeu que tinha fechado, estava sozinho e trajava um manto
negro. Parecia feito de fumaça.
Sobre o balcão
jazia uma foice com o cabo longo e adornado. A lâmina era curva e afiada. Ao
lado havia um bilhete que dizia: “A Morte te escolheu para tornar-se seu
ceifeiro por uma fração da eternidade, seja justo com os que fazem a passagem!”
Então Edgar
soube que aquele era seu destino e que em algum momento outro tomaria seu lugar,
e então estaria livre. A ele, bastava esperar.
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