A Penúltima Sinfonia - Natasja Haia


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natasja ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



A Penúltima Sinfonia

Natasja Haia


Como se já não bastasse este lugar
frio e úmido, a escuridão  também
adveio como um presságio. Ao
fundo  a bailarina da caixinha de
música gira, gira melancolicamente
sem parar.


            
Era quase inverno quando Samantha resolveu passar uns dias no sítio em que residia nas férias, quando criança, com seus pais. O casebre, o gramado e os pastos formavam um lindo e rústico lugar. A neblina durante o dia encobria as folhas e as faces dos animais, e a noite o vento fazia as portas e janelas de madeira produzir ruídos, um ambiente perfeito para que ela encontrasse a paz que tanto almejava.
Os primeiros dias decorreram exatamente como o esperado. A endorfina embalava os primeiros raios de sol, enquanto o suor começava a gelar o tecido de suas roupas, seus pés galopavam freneticamente entre o gramado e o passado. O resto do dia era regado a livros e chocolate quente, se sentia completa.
Na sala havia uma pequena cômoda com um retrato e uma caixinha de música. A bailarina estava visivelmente rachada, consertada com um pedaço de esparadrapo, a música emitida pela caixinha já apresentava leves falhas, como um arranhão em um disco de vinil. Já a foto era de Edgar, um garoto de olhos meigos, cabelo liso aloirado, um sorriso doce e com uma interrogação em seu destino. No quinto dia Samantha abriu uma garrafa de vinho, tomou duas taças, e colocou a bailarina pra girar insistente e incansavelmente até adormecer.
Nossos sonhos são traiçoeiros, trazem ao presente sentimentos adormecidos e alguns dizem que mensagens dos espíritos. Duas lindas crianças corriam na primavera ao redor das cores e das flores, entoavam cantigas, ecoavam risadas, tropeçavam e no instante seguinte se levantavam. Dançavam. Ah! A cumplicidade. O vestido rodado da menina mais parecia um quadro quando ela rodopiava e o pequeno garoto, já tão galante falava “um dia iremos casar”. A vida gira, o tempo muda, a primavera dá lugar à tempestade, o sorriso vira raiva e o amor vira abandono. O vento arremessa a porta, o barulho traz o despertar. Os olhos se abrem e às vezes do susto vem o alívio, o “não era real”. Não é esse o caso, essa lembrança veio em forma de sonho nos dias consecutivos, a paz começava a ser vencida pelo engano. Edgar estava em todos os cômodos.
O pequeno Edgar tinha tudo que precisava para cumprir seu objetivo aguardado durante anos. Salvá-la. Samantha estava sozinha, no local em que se conheceram, sendo encharcada de lágrimas e lembranças, vulnerável. Os sonhos seguintes eram descaradamente uma indução. Ele aparecia ainda criança pedindo que ela o desenterrasse para que o passado finalmente fosse extinto. Dizia “precisamos de paz”. Então corria com seu par de botas até sumir em meio à neblina.
Após quatro dias tendo exatamente o mesmo pesadelo, Samantha acordou na manhã seguinte, correu até chegar a um sítio vizinho e começou a cavar. A lápide possuía um pequeno aviso “Não ouça as palavras dos mortos. Nem deem a sua alma a crença.” Logo abaixo o versículo bíblico “Deixem que os mortos enterrem seus mortos”. E ao terminar de cavar avistou o pequeno Edgar sorrindo.
— Essa lápide agora é sua.
Olhou em direção aquela pedra com palavras cravadas e leu seu nome, a data era aquele mesmo dia. Correu tão desesperadamente que tropeçou diversas vezes pelo caminho. Adentrou seu casebre e viu seu corpo estirado sangrando ao chão.
— Finalmente consegui trazer você para mim. Está salva.  — Disse Edgar.

      

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