Inigualável - Naiane Nara
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Naiane Nara ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Inigualável
Naiane Nara
Destampei
a panela, a boca salivando de antecipação. O aroma era longínquo, comparado aos
sabores que traria meu próprio preparado. Não pude deixar de sorrir. Há muito
que havia desistido de comer em restaurantes; lá fora as coisas tinham perdido
o sabor. A facilidade e a rapidez estragaram tudo!
Mas
aqui, em minha casa, em meu Reino, a comida é preparada com todo respeito e
sacralidade que é devida.
Meditação,
sexo, nada se compara; comer é a melhor coisa da vida. Nada me dá mais desgosto
do que pessoas saudáveis que comem de forma regrada. Isso não é viver! Saborear
novas composições de pratos diferenciados, que nenhum chef ousou pensar:
maravilha das maravilhas, coroa de minhas conquistas, delícia de meus
pensamentos.
Morrerei
gordo e jovem, mas tremendamente feliz.
Preparei
minha mesa de forma requintada, e apreciei minha refeição com um belo vinho. Os
sabores vieram à boca de forma imensamente agradável, mas não houve a explosão
que ansiava. Estava quase perfeito, e o quase partiu meu coração.
Era
tudo ou nada.
Na
manhã seguinte, preparei minha mochila com itens de caminhada e calcei um tênis
confortável. Saí para o Sol brilhante para procurar a erva que faltava em minha
mais recente criação.
O
quase não me deixava viver. O quase não me deixaria dormir. Minha língua
ansiava apenas pelo perfeito, meu único prazer nessa Terra, e eu o teria.
Depois
de muito andar, encontrei a joia que buscava. Com minha faca de caça, cortei a
ditosa erva e estava guardando em um saquinho próprio quando notei que minha mão
estava demasiado suja.
Sangue?
Mas em nenhum momento a lâmina roçou minha pele...! Olhei em volta, nada. O
saquinho estava tão imundo quanto minha mão, de algo como se fora sangue velho
e barroso.
—
Mas que diabos?
Só
então notei que o caule da planta diminuta estava se esvaindo naquele líquido
semelhante a sangue. O vento beijou minha face, trazendo um sussurro:
“Saia
agora, enquanto é permitido. Isto é sagrado...”
Revirei
os olhos e continuei a andar. Provavelmente uma criança brincava escondida
entre as folhas. Não vi razão para repreensões, crendices como essas merecem
apenas a ignorância.
Em
minha casa, recriando meu prato, estava novamente tomado pela ansiedade. Não
comi nada, um grande sacrifício para mim, só para aumentar o prazer de quando
apreciasse aquela refeição. Usei a erva que fui buscar tão longe, depois de
lavá-la.
Tudo
pronto, a mesa bonita, com um arranjo floral de que gostava, o vinho servido na
minha taça favorita. Provei e a explosão de sabores me fez tremer da cabeça aos
pés.
SIM!
É
para isso que vivo!
Apreciei
tudo o mais lentamente possível para prolongar o prazer, saí pela varanda e me
deitei no chão pra olhar o céu, enquanto a dormência me alcançava.
Em
meu rápido sono, luzes difusas e trovões, com lamentos e gritos. Acordei repentinamente,
suando, desconfortável. Levantei-me devagar, decidido a comer mais do meu
maravilhoso prato, quando então me lembrei que nada havia sobrado.
Tudo
bem, prepararia algo.
O
estômago reclamou. Tão rapidamente! Decidi não me prolongar muito: peguei uma
fruta e a sensação de mastigar foi tão prazerosa quanto produtiva...
No
fim, ainda com fome, procurei algo na geladeira. Improvisei uma sobremesa e
achei que enfartaria, tamanha delícia que ficou e a quantidade ingerida.
Eu
ainda queria mais, então procurei nos armários algo mais prático e rápido.
Preparei, comi, a mesma sensação maravilhosa dos sabores intensos, mas a fome
continuava; o vício que a língua me impunha também.
Comi
novamente, e para meu desespero, os sabores iam se perdendo. Meu maior prazer,
minha vida... E eu não os sentia mais. Iam se afastando de mim, devagar,
enquanto a fome dominava meu corpo com furor.
Comi
tudo que havia, e nada de passar.
Saí
às ruas, não sei por quanto tempo. Furtava, no início. Depois não consegui ser
mais tão cortês, roubava para matar a fome e até assassinava se necessário.
Roupas
em trapos, vida sem sentido, os sabores se esvaindo.
Me
jogaram num lugar fétido, escuro e úmido. Já inutilizei as unhas no desespero
dessa fome arrebatadora, tentando abrir caminho pelo maldito concreto. Após
esmurrar a parede por um tempo incalculável e perder a voz de tanto gritar, o
sangue escorrendo da minha mão até o meu braço pareceu bastante atrativo para
mim.
A
fome ainda não silenciava, então mordi. A dor me açoitou, mas os olhos
lacrimejaram. Não ousei deixar de morder. Finalmente! Finalmente, depois de
tanto, com toda intensidade, os sabores voltavam para mim.
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