Inquietude - Morphine Epiphany
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Inquietude
Morphine Epiphany
Em uma noite de julho, Elias dormiu em seu
quarto, rodeado por seus lençóis suados e travesseiros cheios de ácaros.
Lembrava-se de olhar para as rachaduras pequenas na parede, sua coleção de
discos bagunçada, o copo antes cheio de um uísque barato jogado no tapete e o
som das guitarras distorcidas que acalmavam seu espírito ao som de sua banda
favorita.
As imagens ainda eram bem nítidas em sua
memória. Tudo estava tipicamente dentro dos seus padrões, antes do apagão.
Elias adormecera profundamente em questão de minutos e não se lembrava de mais
nada.
Era uma tarde de julho, o odor fétido exalado
pelas calças de Elias e a claustrofobia de uma sala sombria sem endereço.
O homem estava acordado. Já não sabia se a
lucidez fazia parte de sua vida naquele momento, mas ele ainda respirava,
sentia um asco enorme na boca e uma voracidade que se expandia até a alma. O
contato com o mundo externo não existia mais. Sozinho, com os pés amarrados, as
mãos amarradas e os ouvidos em alerta.
Elias dormia, passava fome, passava sede. A
escuridão se mantinha. Os ouvidos davam sinais de roedores no local. Algumas
vezes, ele sentia as patas dos animais passando por cima de seus pés,
percorrendo suas pernas, gritava ao sentir os dentes cravados em sua pele.
Sob o efeito da dor, Elias adormeceu e algumas
horas depois, acordou com um som perturbador. Frequências acima de 120 db eram
emitidas inúmeras vezes sem intervalos. As frequências pareciam distantes no
começo, aos poucos, as frequências se aproximavam cada vez mais dos ouvidos do
homem.
Os minutos passavam e a repetição daquela
frequência impedia o homem de respirar. No total breu, o homem estava em
agonia. O ar se esvaía e ele se esforçava para se livrar de tudo aquilo.
As frequências sumiram e o silêncio novamente se
instaurou. Elias tentava recuperar a respiração e manter o controle. Os olhos
abertos, mas ele não via nada.
O homem voltara a se acostumar com o ambiente e
com o silêncio. Baratas percorriam o seu corpo, entravam em seus ouvidos e
depois desbravavam outras camadas de Elias.
As frequências retornaram com maior intensidade
e cada vez mais altas. Elias não suportava. Sua garganta vibrava e as cordas
vocais estavam quase se rompendo. A sensação durou alguns minutos. O som foi
interrompido. A ausência de ruídos trazia uma espécie de paz em meio aquela
aflição.
Subnutrido, cada vez mais fraco e submetido a
todas aquelas frequências, Elias começava a pintar um paraíso nas trevas.
Clamava pelo fim da dor.
Horas se passaram e para Elias o relógio era bem
arrastado. O pânico retornara. As frequências se elevavam e o desconforto se
assemelhava a perfuração de milhares de punhais em seu corpo. O ambiente emitia
o som da morte, mas a garganta de Elias não conseguia emitir o gutural do
desespero.
Fechou os olhos e a pressão de uma montanha
sobre o seu corpo, era real. Adentrava seus ouvidos e destruía rapidamente o
seu organismo. Era o terror orquestrado.
As náuseas eram cada vez mais frequentes. A
pausa surgiu. Elias ultrapassara os limites da dor.
As sombras já não o assustavam, os insetos e os
roedores já não causavam aflição. Ele queria apenas o silêncio. O conforto
quieto.
Era final de julho, as frequências atingiram
picos insuportáveis. A violência dos sons era corrosiva. Os tímpanos entraram
em colapso e aos poucos, a pausa da sala era a única habitante.
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