Janelas da Alma - C. B. Kaihatsu



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
C. B. Kaihatsu ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Janelas da Alma

 C. B. Kaihatsu


Ana era filha única de um casal que resolveu se mudar para uma pequena cidade após o seu nascimento. Os pais pensaram que assim estariam garantindo uma qualidade de vida melhor para a menina.
Ana fora uma criança muito esperta e curiosa, seus olhos sempre estavam atentos a tudo. Desde a mais tenra idade, ela preferia observar tudo ao seu redor a interagir com as outras crianças. Esse hábito lhe acompanhou até a adolescência.
Certa vez, ela leu uma citação que dizia que os olhos eram as janelas da alma, algo com o qual ela prontamente concordou. Ana absorveria o máximo que pudesse do mundo através das janelas da alma dela.
Com o passar dos anos, Ana tornou-se ainda mais reclusa. Era agora uma mulher adulta, sua rotina consistia em visitar os pais aos sábados, comprar semanalmente seus provimentos no mercado, ir ao trabalho na biblioteca e realizar passeios noturnos.
Ana gostava de passear à noite porque era mais calmo, raramente encontrava uma viva alma pelo caminho. Nesses momentos, ela agradecia aos pais por terem se mudado para uma cidade tão pacata, onde lhe era permitido ter esses hábitos noturnos em segurança.
Apesar de fazer quase sempre o mesmo caminho, a cada dia ela notava coisas novas. Uma árvore que não vira no dia anterior, novas estrelas no céu, uma coruja, entre outros.
Certa noite, Ana notou uma casa que não lembrava de ter visto em caminhadas anteriores. Árvores e animais eram coisas que ela poderia deixar passar, mas nunca seus olhos atentos deixariam de notar uma casa.
Era possível observar uma luz arroxeada e incandescente saindo por uma das janelas da misteriosa casa. Um impulso dizia para Ana ir ao encontro da origem da luz, mas seu discernimento lhe dizia que era mais seguro voltar para casa.
Ela observou a casa por semanas, até que um dia não conseguiu controlar seus impulsos e se dirigiu para a porta de entrada. Estava entreaberta, como se a convidasse a entrar.
O interior da casa era iluminado apenas pela luz arroxeada que Ana via todas as noites. Contudo, era difícil enxergar as coisas com clareza, ela não conseguia andar sem esbarrar nos móveis.
Ana tropeçou em alguma coisa que estava no chão. Era gelado. Cobriu o rosto com as mãos e soltou um grito de pavor quando viu em que havia tropeçado.
Era um corpo humano, parecia inerte e sem vida, mas ele balbuciava frases ininteligíveis, então ela constatou que ele estava vivo. No rosto cadavérico daquilo que um dia fora um homem faltavam os globos oculares.
Ana correu em direção a porta de entrada, mas esta fechou-se produzindo um enorme ruído. Ela tentou em vão abrir, estava trancada.
Ela sabia que algo maligno havia acontecido naquela casa, sentiu que seu destinado estava selado.
A luz foi ficando mais intensa até cessar após alguns minutos. A expressão em seu rosto era de horror. Mais corpos se agarrando a um fio de vida ocupavam a casa. Homens, mulheres, adultos e crianças. Todos sem os globos oculares.
Do meio da pilha de corpos surgiu um homem, ele vestia uma túnica branca e no pescoço ostentava um colar de olhos humanos, antes que Ana pudesse dizer algo, ele tomou a palavra.
— Então era você que espreitava o refúgio do Senhor das Almas?
Ana sentiu um arrepio, sabia o que viria a seguir. Os olhos são as janelas da alma.
— Em breve, você fará companhia a todos que ousaram cruzar o meu caminho. Na verdade, sou grato por isso. Por não precisar caçar para me manter vivo. Sua alma fará parte de mim!
Em questão de segundos, Ana encontrou-se em completo breu. A mulher curiosa que passava os dias a observar estava fadada a viver na escuridão eterna.

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