Através do Espelho - C. B. Kaihatsu



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
C. B. Kaihatsu ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Através do Espelho

 C. B. Kaihatsu


Amélia decidiu que precisava de mudanças em sua vida, deixar tudo para trás, recomeçar do zero. Mudou de cidade, de emprego e de casa.
Conseguiu fechar um excelente negócio, pagou barato por uma grande casa, com um terreno de bom tamanho também. No início, ela suspeitou que o corretor escondesse algo, talvez a casa tivesse alguma estrutura comprometida, quem sabe até amianto. Quando ela o questionou como uma casa daquela estava há tanto tempo no mercado e com um preço tão em conta, ele gaguejou um pouco, mas acabou revelando que a morte de proprietários anteriores afastou os potenciais compradores locais.
A mulher não deu muita atenção a isso, não era supersticiosa. Na verdade, ela até achou graça.
Embora estivesse em bom estado, a casa precisava de algumas reformas. Amélia teve que contratar profissionais de outras cidades porque os locais se recusavam a entrar na casa, ainda que fosse para apenas trabalhar.
Ela mudou a decoração para o seu estilo e como em suas próprias palavras, “deixou a casa com a sua cara”. Contudo, um item permaneceu intacto, um imponente espelho na sala de estar.
Amélia sentiu-se magnetizada pela peça. Sempre que passava pela sala de estar, era como se algo a atraísse até o espelho. Ela se demorava alguns minutos apreciando a vista que ele proporcionava da sala atrás dela. Os minutos logo viraram horas.
Para ela, era como se estivesse em alguma história de Lewis Carroll, sentia-se como a menina através do espelho. Tentou atravessá-lo, mas tudo que sentiu ao tocá-lo foi uma superfície fria.
Amélia alimentava-se mal, dormia mal, negligenciou a higiene e o trabalho para ficar o maior tempo possível em frente ao sedutor espelho.
Certo dia, ela notou que o aparador havia sumido na imagem refletida, olhou para trás e nem sinal do móvel. Perguntou a si mesma se ela realmente possuía uma aparador.
No dia seguinte, uma poltrona sumiu. A medida que a mobília desaparecia, sua saúde também se deteriorava. Em poucos dias, a face que outrora era cheia de vida estava com um aspecto cadavérico.
Restou apenas um sofá na sala, Amélia agarrava-se apenas a sua sanidade bastante fragilizada.
Quando o sofá também sumiu, Amélia encontrava-se só em uma sala completamente vazia. Apenas ela e o amaldiçoado espelho. Ela maldizia seu companheiro inanimado, mas era incapaz de abandoná-lo.
Amélia mal conseguia se mexer, já não conseguia nem falar. Quando fitou o espelho uma última vez, pôde ver toda sua mobília refletida no espelho. Deitada no sofá, estava uma mulher na qual ela se reconheceu. Em sua forma mais esplendorosa, mas ela sabia que não era ela, a mulher do lado de lá. Ela estava do lado de cá do espelho. Ela estava cansada demais. Amélia adormeceu e não acordou mais.
Alguns dias depois, a polícia encontrou na sala, em frente ao espelho, um corpo que jazia sem vida no chão. Nada fora roubado, todos os móveis, dinheiro e joias estavam em seu lugar.
A mulher parecia saudável, não puderam encontrar qualquer ferimento aparente. A morte da nova moradora reforçou os boatos de que a casa era amaldiçoada.
Amélia se viu cercada de estranhos. Ela estava do outro lado do espelho. Imaginou que aqueles foram os moradores da nefasta casa antes dela. Esmurrou o espelho com toda força que pôde, na tentativa de atravessá-lo, mas seu esforço fora em vão.
Ela resignou-se e como todas as pobres almas que a acompanhavam, ela também aceitou seu destino, aquela não existência eterna.

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