Cry - Morphine Epiphany



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Cry

Morphine Epiphany


A terceira noite no quarto novo, parecia mais receptiva. Beta, contava seus inúmeros carneirinhos na mente e atingia o mundo onírico com maior facilidade. No quarto ao lado, seus pais exaustos pelo esforço da mudança, já dormiam há um tempo.
O alarme do celular acordou Susana. Ela observou o marido dormindo e sorriu. Se dirigiu ao banheiro e começou a se arrumar. Devidamente pronta, desceu até a cozinha. Estava um pouco atrasada para o seu primeiro dia no consultório novo, mas precisava deixar o café da manhã pronto.
Pegou o açúcar e o café e quase escorregou na frente da pia. A caixa de leite estava dilacerada e o leite havia derramado no chão. Ela limpou e terminou os afazeres. Beta apareceu encostada no portal da cozinha sorrindo para a mãe. Paulo descia as escadas.
O café estava na mesa e os três se entreolharam com um ar esperançoso. Susana se despediu e foi para o trabalho. Paulo iria cuidar da filha que estava em férias escolares e no período da tarde retomaria seu trabalho como escritor.
A garotinha tirou alguns brinquedos das caixas, espalhou-os no tapete e começou a criar enredos com os brinquedos. Sentiu falta de sua boneca favorita e remexeu dentro das caixas para achá-la. Enquanto procurava, acabou encontrando um móbile de berço desgastado embaixo de sua boneca.
A garrafa de café esvaziara-se da mesma forma que as ideias de Paulo. Sentado há horas na frente da tela em branco, ele não conseguia formular nenhuma frase. Seus olhos vasculhavam a biblioteca da casa e o olhar paralisava na espingarda emoldurada no alto da parede.
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Durante o jantar, Beta contara aos pais sobre o móbile. Ambos estranharam, mas não deram importância. Mudaram de assunto. Falaram sobre o trabalho de Susana que estava contente com o primeiro dia de atendimentos na clínica de fisioterapia. Conversaram sobre os planos de reforma da casa e sobre a nova escola de Beta.
Com o ritmo agitado daquela semana, a família foi dormir bem cedo. Beta estava prestes a pegar no sono quando escutou uma música suave que vinha do teto. Abriu os olhos com receio e devagar virou o corpo. Olhou para cima e deparou-se com o móbile que girava rapidamente. Hipnotizada pelos movimentos do objeto e pela música, a garotinha acabou adormecendo.
Susana despertou no meio da noite com um choro de bebê. Ela então seguiu o choro que vinha de um quarto não utilizado, no final do corredor. O som ficara mais intenso e Susana tentou abrir a porta do quarto. Não conseguiu! Aos poucos, o choro foi desaparecendo. Susana dormiu encostada na porta.
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No dia seguinte, Paulo preparou o café e deixou a esposa dormir um pouco mais. Ele havia a encontrado dormindo no corredor. Procurou leite e viu uma boa quantidade do líquido no chão e uma caixa rasgada.
Susana entrou na cozinha e começou a beliscar um pedaço de pão. Ela não se lembrava de nada.
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Durante o dia, Paulo ficava trancado na biblioteca esperando ser inundado por ideias, mas a espingarda na parede sempre tirava a sua concentração. Ele decidiu mudar o ambiente de trabalho e levou o computador para o seu quarto. As ideias permaneciam distantes.
Sozinha, Beta ficava brincando com seus bonecos e de vez em quando, ia atrás do pai para ganhar um abraço. Em uma dessas idas ao encontro do pai, a menina escutou uma melodia. Era uma voz feminina cantarolando a mesma melodia do móbile.
A garotinha seguiu o canto até o final do corredor. Parou na frente do quarto e a porta permaneceu trancada.
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Os acontecimentos se repetiram todos os dias. A bebida láctea derramada na cozinha, o canto de uma mulher, o móbile no teto, o choro do bebê. Eles se acostumaram com aquela rotina na casa.
No trigésimo dia, Susana encontrou um líquido vermelho derramado no chão. Limpou rapidamente. A aflição penetrava em sua alma.
Todos tomaram café e logo depois, Susana levou Beta para a escola. Paulo aproveitou para trabalhar em seu texto. Com os avanços na escrita, decidiu voltar para a biblioteca. Começou a escrever ferozmente e a fluidez o dominara. Tomou bastante café e fez uma pequena pausa. Olhou para as estantes e para a parede. A espingarda não estava lá.
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Beta chegou da escola e procurou o pai no quarto. Não o encontrou. Ouviu novamente a voz feminina. Dessa vez, o canto soava mais alto. Ela se aproximou da porta e a maçaneta girou. A menina adentrou o quarto e viu um quarto de bebê. Uma mulher virada de costas cantava para um bebê no berço. O móbile girava devagar. O bebê estava quieto.
A garota caminhou na direção da mulher e quando olhou para o rosto da mulher, viu um buraco enorme em sua testa. Ela continuava cantando. A criança dormia. Beta se aproximou da criança e percebeu que o bebê não estava respirando. Tentou segurar a criança no colo e viu o corpo dele inerte e cheio de sangue.
Atemorizada, ela correu até a porta do quarto, mas a porta se fechou. O quarto esvaziara-se. A mulher e o bebê desapareceram. Ela não conseguia abrir a porta. Ficou encostada no canto da parede, tremendo. As cortinas do quarto balançavam violentamente e sons de arranhões se espalhavam pelo assoalho.
Beta estava em prantos quando finalmente escutou a maçaneta girar e a porta se abrir. Era Paulo. A menina se tranquilizou e correu para os braços do pai. O homem a empurrou com uma força brutal. Ela caiu e gradualmente o medo retornou. Os olhos de seu pai não eram mais os mesmos. Beta cobriu os ouvidos e não ouviu os disparos da espingarda. Apenas sentiu, a morte atravessando suas entranhas.
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Susana encontrou o marido morto ao lado da espingarda e a filha desfigurada no quarto vazio. Segurou a filha nos braços enquanto gritava. A porta se fechou e as trevas tomaram conta do quarto. Susana ouviu uma mulher cantando e um bebê chorando. Sentiu toda a escuridão adentrar suas veias.

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