Visão - Naiane Nara
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Naiane Nara ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Visão
Naiane Nara
Um ponto branco
piscando; as pernas, doloridas e exaustas, quase não sustentam mais o meu peso.
Caminhar por 40 minutos após um plantão de 12 horas é quase um martírio; quando
levanto a perna antes de dar o próximo passo, sempre penso que é a última vez e
não conseguirei dar o próximo. Respiro com dificuldade, um peso me oprimindo o
peito e os pontos brancos piscando no meu campo de visão.
Mas dou um passo.
E outro.
Mas dou um passo.
E outro.
Limites, eles não
existem mesmo. Só quero chegar a minha maldita casa antes de desmaiar de
exaustão e rolar rua abaixo. Não tenho vontade de estampar jornais em vida, não
terei na morte.
A maior parte do
caminho vencido, falta apenas a última rua.
Não fosse o
cansaço extremo, não teria pressa. Mas o emprego de merda e a falta de perspectivas
gritam em mim implorando por um banho frio e pizza.
Talvez nem pizza,
por que o dinheiro não está sobrando. Só banho frio e o que tiver na geladeira,
pra forrar o estômago, somente para não dormir com fome. Caroline disse que
viria para pegar suas últimas coisas, pois não suportava mais a casa estranha,
mas não lembro de quando.
Bobagem. Ela
estava cansada da falta de perspectivas e da pobreza, e ficava inventando isso
de sobrenatural para fugir de mim. Tudo bem, eu entendo. Ser pobre para uma
garota bonita deve ser bem mais difícil mesmo.
Só quero desabar
num profundo sono sem sonhos, a espera de nunca acordar. Não fiz nada de
interessante na vida, mesmo com tanto talento. Continuar respirando não me faz
valioso para meus pais e a agora ex-namorada.
Tantas
oportunidades perdidas, negócios desfeitos, planos desperdiçados, dores que
nunca vão sarar. Coisas que não posso mudar, pessoas que amei que perdi e não
voltarão mais.
Dormir, dormir,
quero apenas a minha cama velha e suas molas barulhentas.
Ao chegar, ainda o
susto característico de não encontrar Caroline, seus esfuziantes cabelos
tingidos de loiro e seus olhos grandes e escuros. Mas, isso também passou. Eu
não poderia esperar que ela se sujeitasse a quase passar fome de novo.
Eu e minha total
incapacidade de gerir problemas.
Já que perdi a
vontade de comer, entro no chuveiro de água fria por pouco tempo até afogar os
pensamentos e poder me entregar nos braços de Morfeu.
Caí na cama, sem
vontade nem esperança de acordar.
Mas ao invés do
sono profundo que normalmente me abraça, vejo Caroline em minha mente,
desesperadamente tentando bater na minha porta, mas sem conseguir alcançá-la,
pois está sendo sufocada por um estranho vulto de roupas escuras atrás dela.
Suas mãos quase tocam a porta, e por não conseguir produzir som, tenta deixar
uma marca com as unhas; os olhos vermelhos e injetados furiosos com medo de se
fechar para sempre tentando me dizer algo!
O som agonizante
dela engasgando na própria saliva e tentando puxar o ar ao mesmo tempo é
aterrador. O quadril de Caroline está completamente colado ao estranho,
enquanto ela inclina o corpo para frente na tentativa vã de terminar de
rabiscar sua mensagem. Olho para o que tentou escrever e parece algo como: “Não
abrir”, não tenho certeza, pois junto com ela mergulhei na inconsciência.
Acordei de
repente, sufocando também, aliviado por perceber que nada daquilo era real.
Pude ver pela janela que ainda estava escuro, então ainda não precisava
levantar, mas não me contive e fui até a porta, espiar pelo olho mágico,
ansiando por ver a rua vazia e mal iluminada de sempre.
Com o coração
acelerado, percebi que o rosto de Caroline me espreitava de maneira esquisita e
fria, uma expressão de desespero congelada em sua face. Caí para trás,
assustado além da imaginação, enquanto as batidas começaram a soar:
Uma
Duas
Três
Com a mão direita
na maçaneta me lembro da mensagem rabiscada no sonho, “não abrir”, mas era ela
mesma, isso não fazia sentido algum!
Mais uma batida.
Seca e fria, não
pareciam as batidinhas doce que normalmente usava.
– Carol! Pare de
esquecer suas chaves. – Consegui balbuciar, tremendo da cabeça aos pés.
Agora as batidas
se tornaram ininterruptas e mais fortes. Quase sem respirar, espio de novo o
olho mágico e a expressão dela não mudara. Alguma coisa dentro de mim quis
terminar com isso logo, nada seria pior que aquele suspense.
Mas meu coração
descompassado não parava de associar aquelas batidas com as mensagens deixada
pelas unhas no meu sonho. Eu não conseguia girar a maçaneta, paralisado de
medo.
Então me curvei
como o belo covarde que era e chorei até o amanhecer, sem entender nada. Só
recobrei os sentidos depois que as batidas pararam, logo após os primeiros
raios de Sol invadirem a sala. Levantei-me ainda a tremer e abri a porta de
supetão, não suportaria mais nenhum momento como os que vivi naquela noite.
Ou era, o que na
minha inocência, eu imaginava.
Senti o corpo
gelado e o ar me faltar enquanto encarava a cabeça de Caroline, decapitada e
pregada a minha porta, de modo que ficasse de frente para o olho mágico. Em seu
corpo ensanguentado no chão, um pedaço de papel rabiscado às pressas:
“Garoto esperto”.
supinpa,fiquei de garganta seca affes ....
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