É o Horror! - C. B. Kaihatsu


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
C. B. Kaihatsu ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



É o Horror!

 C. B. Kaihatsu


*conto inspirado no quadro Guernica de Pablo Picasso

Pedro tentava, em vão, dormir. O homem já não sabia mais quantas noites passara em claro. A verdade é que ele não conseguia ter uma boa noite de sono desde que o mandaram de volta para casa, o que já fazia uns dois meses.
Trazia consigo as marcas da guerra, no corpo e na alma. Fora gravemente ferido na perna direita, por sorte não foi necessário amputá-la, mas o ferimento resultou em sequelas irreversíveis, Pedro se lembrava todo dia ao caminhar. Contudo, julgava que o “ferimento da alma” era muito pior. Certa vez, ele leu em algum lugar que uma pessoa que vai à guerra, quando retorna já não é a mesma. Ele nunca pensou muito sobre isso, mas agora esse lhe era um pensamento recorrente. Ele viu coisas terríveis enquanto esteve lá. Coisas duras demais para qualquer ser humano. E por quê? Essa era uma coisa que ele também não saberia responder. Lutou uma guerra que não era dele, talvez um capricho daqueles que certamente nunca colocariam os pés no campo de batalha, pensou que se o fizessem, com certeza haveria muito menos guerras na história da humanidade.
Ele aprendeu sobre tantas delas na escola. Primeira Guerra Mundial, segunda, guerra do Vietnã e muitas outras. Algumas vezes refletia se as pessoas que participaram de todos esses conflitos pensavam o mesmo que ele. Qual o sentido disso tudo? Ele não sabia o motivo de o mandarem para longe de casa para matar outras pessoas como ele, muitos iriam lhe dizer que elas eram de outra nacionalidade, de fato, contudo, isso pouco importava e não mudava o fato de que eram pessoas como ele, com sonhos e medos, seja qual fosse suas nacionalidades.
A única coisa que Pedro sabia é que na situação em que ele se encontrava, precisava matar para não morrer. Por um tempo ele se convenceu de que matar significava não morrer. Matava para viver. No entanto, ao longo do tempo, ele passou a simplesmente matar.
Quando Pedro fechou os olhos ele viu o horror, a destruição e a morte. Ele ouviu os gritos deles. Era ensurdecedor. Talvez estivesse enlouquecendo. Levou as mãos aos ouvidos, mas de nada adiantou. Os gritos pareciam cada vez mais altos. O homem encolhido na cama sentia medo, estava no escuro abraçando os próprios joelhos como na infância, quando era menino e temia que tivesse algum monstro dentro do armário, porém, desta vez, o monstro era ele. Ele tinha medo de acender as luzes e ter de encarar todas as suas vítimas.
Nada fazia sentido, não era possível que aquilo fosse real. Suas mãos estavam molhadas, Pedro achava que era suor, mas quando mirou as mãos ficou aterrorizado ao constatar que era sangue.  
Corpos se amontoavam ao redor da cama, mutilados, massacrados, deformados. Em alguns ainda pulsava vida, esses aproximavam-se vagarosamente de Pedro que já não conseguia gritar ou correr, o pânico tomara conta de todo o seu ser.
Pedro não conseguia entender o que diziam, apenas sentia unhas lhe rasgarem a carne como navalhas. Resignou-se. Afinal, ele concluiu que merecia punição por todos os seus crimes de guerra. Apesar da dor cruciante, ele não gritou e tampouco tentou se defender.
No dia seguinte, Pedro fora encontrado no chão do quarto, seu corpo apresentava diversos arranhões, que depois o médico determinou que foram autoinfligidos, olhava para o nada e repetia sem parar: “É o horror! É o horror!”.

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