Escadas da Perdição - Meg Mendes



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Meg Mendes ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Escadas da Perdição

Meg Mendes


*conto inspirado no quadro Relativity de  M. C. Escher

O relógio soava sua primeira badalada.
“Meia-noite”, o espírito das trevas cantarolou de dentro da pequena casa. Anne permanecia imóvel olhando para a porta refletindo se deveria entrar ou não.
No vasto céu noturno repleto de estrelas, a lua erguia-se imponente com seu brilho refletindo o esplendor do universo. A jovem Anne há muito lutava com os fantasmas do passado de sua família que cultuavam as trevas mais profanas. Sempre achou que as histórias que sua mãe lhe contava sobre seus avós eram apenas fantasias de mentes perturbadas. Como seria possível alguém em sã consciência cultuar os caídos dos infernos e as forças ocultas das sombras? Mas ali diante de si, estava o supremo poder do anjo do caos manifestando suas trevas numa batalha insana contra o jovem Mark, namorado de Anne, que havia sido criado em berço cristão.
Eles foram juntos para o interior, conhecer a antiga casa da família onde a mãe dela vivera a maior parte da infância. O local era bem afastado e possuía um clima completamente sombrio. O rapaz quando ficou de frente com a entrada da casa, sentiu algo estranho lhe arrepiando toda a espinha. Anne não acreditava nas coisas que ouvia da mãe, mas todo o chão pareceu desaparecer debaixo de seus pés quando aquela massa espectral avançou para fora da casa com violência e sugou o rapaz para o lado de dentro.
Já estava de noite. Era tarde e não havia nada por perto ou alguém a quem pudesse pedir por socorro. Ela estava diante de um pesadelo, pensava em voz alta como que esperando acordar daquele terrível sonho:
— É apenas um pesadelo, é apenas um pesadelo, é apenas….
— Pare com isso, sua criatura insignificante — ouviu uma voz rouca e grossa carregada de ódio vindo de dentro da casa. — A lua da morte subiu ao seu ponto máximo hoje, agora eu finalmente terei você, assim como seus antepassados me prometeram sua alma.

Anne não entendia nada do que a voz dizia. O medo crescente em seu ser, tornou-se mais intenso quando a sombra pronunciou quase que num sussurro.
— Se quiser salvar aquele humano imundo que estava com você, basta entrar na casa. Mas cuidado, você terá apenas até a última badalada da meia-noite para encontrá-lo, ou nem mesmo você sairá viva daqui.
— Como assim?
“Meia-noite”, gargalhou as sombras.
O som do relógio vindo de dentro da casa despertou Anne de seu devaneio e contra todos os seus medos, ela avançou a passos rápidos passando pela porta de entrada. A sua frente uma escada subia em linha reta levando ao que parecia ser um corredor. Nada mais lhe parecia estranho naquele lugar. A casa por menor que fosse vista de fora, tornava-se gigante naquele cenário envolto em trevas.
Quando ela começou a subir os primeiros degraus, ouviu ao fundo o soar da segunda badalada. Em sua mente tomou conta de que o tempo passava completamente lento. Era como se a sombra maléfica desejasse lhe confundir de forma que não conseguisse encontrar a tempo seu namorado e sair daquele lugar amaldiçoado e nunca mais voltar.
— Três badaladas — gargalhou roucamente a voz da sombra acompanhada do som estridente do sino do relógio mostrando que ela tinha de correr contra o tempo.
Vamos Mark, onde você está? Ela pensava aflita enquanto internamente implorava por um auxílio divino. Quando chegou ao topo da escada, sua surpresa fez com que ela deixasse escapar um grito abafado.
— Tá de sacanagem!
O topo da escada dava para uma nova escadaria dessa vez, descendo. No meio, antes que a mesma chegasse ao fim, ela abria-se subindo e descendo para os lados, e Anne percebeu que no meio de cada nova escada, o mesmo padrão se repetia, como um labirinto sem fim. Escadas subiam, desciam, rodavam em torno de si mesmas, voltavam ao mesmo lugar. Degraus altos, degraus baixos, e sua mente se perdia a cada movimento que seu olho fazia percebendo uma nova direção que as escadarias tomavam.
O soar do relógio continuava e as sombras gargalhavam tomadas pela insanidade da situação.
A cada som que o sino produzia, as chances de sair daquele inferno se tornavam cada vez menor, mas Anne teve suas esperanças renovadas quando em uma das escadarias que subiam cruzando o lado esquerdo do local onde ela se encontrava, já perto da décima badalada, ela viu o rosto de Mark se movimentando.
Gritou em desespero para ele, que pareceu aliviado ao notar que ela estava ali tão perto dele. Tentaram de todas as formas encontrar um caminho de escadas que os colocassem juntos, e quanto mais eles corriam, subindo e descendo, mais eles se desencontraram naquele labirinto perdido de degraus.
Quando a última badalada soou, a sombra emitiu gargalhadas altas em vitória.
— Podem tentar o quanto quiserem, mas vocês nunca mais ficarão juntos, não enquanto estiverem nas escadas da perdição.

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