A Canção da Meia-Noite - Natasja Haia



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Natasja ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



A Canção da Meia-Noite

Natasja Haia


*conto inspirado na canção High Hopes do Pink Floyd

   É claro que a juventude sempre sucumbirá ao peso dos anos, porém esse humilde narrador quem vos fala não deseja trazer a essas pobres e curtas linhas as linhas que o tempo o trouxe. Apresento o peso da verdade, dos homens definhando sem alimento que sempre existirão, a mudança do mundo que talvez devesse, mas não é resumida a uma rebelião. Você pode permanecer no contexto e cenário dessa história que ardorosamente lhe ofereço, mas tome cuidado para não se entorpecer eternamente nas maravilhosas tolices da utópica e hipnótica bravura juvenil.
   Os centros das maiores metrópoles do mundo costumam ser assustadores, principalmente durante a noite, mas não para Lauren, jovem e destemida. Depois de uma longa viagem para chegar a cidade na qual estava a universidade que cursaria, ainda sem destino certo, resolveu pernoitar em um famoso hostel na região central. Sua aparência era uma mistura de êxtase e exaustão, mas o cansaço ainda não tinha o poder de conseguir fazê-la dormir. Foi durante o check-in feito por volta das nove horas da noite que ela se deparou com Gabriel do outro lado da mesa, um lindo jovem moreno, olhos cor de mel e aparentemente generoso. Depois de horas sem comer Lauren carregou sua mala materialmente e subjetivamente pesada até a cozinha, preparou um lanche, pois estava realmente faminta. Enquanto se deliciava com os biscoitos de chocolate foi surpreendida por ele que pôs a mesa uma garrafa de vinho. Meia hora depois os dois já estavam caminhando pelas frias ruas da cidade, enfrentando um vento gélido com uma garrafa de vinho tinto e taças cheias nas mãos.
   O vinho não tardou a chegar as suas correntes sanguíneas, não de um jeito que os embriagassem, mas de modo que seus corpos permanecessem aquecidos, levemente entorpecidos e a dança da vida se tornasse mais lúdica. A lua observava através da brecha e cascatas de água de um chafariz seus compassos e risadas. Cantarolavam “Sobrecarregados para sempre por desejo e ambição. Há uma fome ainda não saciada. Nossos olhos cansados ainda se perdem pelo horizonte”. Já era quase meia-noite, no entanto não se sentiam temerosos, pelo contrário, sentaram numa calçada de uma rua repleta de grafites onde imigrantes franceses se aproximaram. Os olhos de Gabriel cintilaram ao conversar com eles em outro idioma no meio daquele cenário cinematográfico, já ela não entendeu uma mísera palavra então pediu que compusessem um rap em inglês. As palavras do rap rapidamente se perderam entre aqueles becos, mas ainda me recordo que era possível sentir a sua sensação através de seus olhos, eram palavras mágicas que não poderiam pertencer a ninguém, nem mesmo a ela a quem a letra foi dedicada. Então adveio o esquecimento. Como toda fábula mágica essa também terminou a meia-noite em um banco de praça e com um respeitoso celinho que seria o início de uma linda e longa jornada juntos. Costumo me contar através dessa perspectiva nossa história, mas sinto decepcioná-los, quase tudo é real exceto o final.
   Chamo-me Gabriel, agora sou apenas um saudoso senhor sentado em sua poltrona, fumando um charuto, enquanto seus netos não chegam. Na época dos fatos acima relatados, éramos jovens ávidos e inconsequentes. Ainda sinto saudade de sentir o rock pulsar, daquela jovem que mal conheci, daquela noite que me persegue. O beijo realmente aconteceu, rápido, tão efêmero quanto aquelas horas, mas aquele olhar magnético que jamais esquecerei se fechou antes que os sinos badalassem o fim da meia-noite. Segurei a sua mão e tentei arrastá-la de volta ao Hostel, em vão. Uma espécie de áurea hedonista parecia ter tomado conta de seu corpo. Seu desejo era beber até a última gota de possibilidades que aquele momento poderia nos oferecer, assim aconteceu. Segui com ela admirando a lua, contando as estrelas, dois desvairados, bradando uns hinos dos incompreendidos, eis que é chegada a hora da perdição, um tropeço no percurso das indecifráveis reviravoltas do destino nos fez derrapar em um grupo que estava fazendo grafite não autorizado, é claro, ela quis experimentar. Pintávamos as paredes como quem risca com as pontas dos dedos o céu, então surgiram relampeios e sirenes tornando todos os tons meio avermelhados. Enfrentamos a polícia, berramos, fomos apenas o que deveríamos ter sido naquele momento, então nos deparamos com a crueldade da incompreensão. Algumas balas resolveram nos pintar, foi assim que a Lauren terminou, como uma pintura marejada sendo lembrada eternamente ao som de algum punk ou metal.

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