Senhor Sono - C. B. Kaihatsu
Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
C. B. Kaihatsu ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.
Senhor Sono
C. B. Kaihatsu
*conto
inspirado na canção Enter Sandman do Metallica
Pedro
observava, entediado, a paisagem pela janela do carro. Seus olhos miravam um
borrão multicolorido, mas sua mente estava longe. Não queria ter que se mudar,
gostava da escola e dos amigos, porém uma boa oportunidade de emprego surgiu
para seus pais em uma pequena cidade do interior.
Chegaram
ao novo lar pelas primeiras horas da manhã, a cidade era silenciosa e havia
poucas casas em sua rua, parecia uma cidade fantasma. Não havia uma viva alma
na rua.
Logo
uma porção de caixas se espalharam pela sala, sóbria demais na opinião de
Pedro. Sua casa antiga era alegre, aconchegante. Essa era maior, mas um tanto
quanto sinistra.
No
final do dia, depois de conseguirem deixar tudo um pouco mais organizado eles
foram jantar. O garoto sabia que não adiantava protestar, então fez sua
refeição em silêncio, só lhe restava aceitar sua sorte e que aquela agora era
sua realidade.
Pedro
ficou intrigado ao ouvir a campainha tocar, afinal, era o segundo dia deles na
nova cidade, ainda não conheciam ninguém. Eram os vizinhos da casa ao lado,
eles tinham um filho da idade de Pedro, o garoto se chamava Caio. Enquanto os
adultos conversavam, os meninos foram para rua brincar.
Caio
fez uma série de perguntas a Pedro sobre a capital, ele nunca tinha ido até lá,
estava curioso. Depois, contou-lhe tudo sobre a cidadezinha que Pedro agora
deveria chamar de lar. Pedro não prestou muita atenção na maior parte da
conversa, até Caio mencionar uma lenda urbana da cidade.
—
Tome cuidado na hora de dormir. Certifique-se que todas as portas e janelas
estejam bem fechadas. Você não vai querer receber a visita do Senhor Sono.
—
Senhor quem?
—
Senhor Sono. É uma espécie de demônio que surge à noite para aterrorizar o sono
das crianças.
—
Isso é besteira. Parece até história de algum filme de trash de terror.
—
Você que sabe. Depois não diga que não avisei. Dizem que ele visita
especialmente quem duvida da existência dele.
—
Tá. Se ele realmente existe, você por acaso conhece alguém que já tenha visto
esse Senhor Soneca?
—
Senhor Sono! Não brinque com isso, Pedro! O seu Manuel, lá daquela casinha no
final da rua, viu uma vez, quando tinha a nossa idade, mas nunca quis falar
sobre isso. O coitado ficou mudo com o susto. Dizem que o grito dele ecoou por
todo o quarteirão e depois sua voz sumiu. Você sabe que o Senhor Sono visitou
você à noite se pela manhã encontrar um montinho de areia ao lado da sua cama.
Na
hora, Pedro não acreditou muito na história de Caio, mas não conseguiu tirá-la
da cabeça. E se fosse verdade?
Os
pais não estranharam o silêncio de Pedro durante o jantar, nem mesmo o fato
dele mal ter tocado na sobremesa, ele estava arredio nos últimos dias devido à
mudança.
Após
lhe dar um beijo de boa noite, a mãe apagou as luzes e sumiu na escuridão.
Quando estava quase pegando no sono, ouviu um barulho, como se algo estivesse
se arrastando pelo chão do quarto. Ele não se atreveu a abrir os olhos. “Durma
logo! Durma logo!”, o menino dizia a si mesmo.
Na
manhã seguinte, a mãe foi até o quarto acordá-lo e assim que Pedro despertou,
ela o repreendeu.
—
Pedro, no quintal você pode brincar o quanto quiser com areia, mas não traga
isso para dentro de casa. Olha toda essa areia aqui no chão do seu quarto!
O
garoto ficou desesperado ao constatar que o barulho que ouvira na noite
anterior fora o Senhor Sono. Alguma porta ou janela deve ter ficado aberta.
Essa noite, ele iria se certificar de que tudo estivesse devidamente trancado.
Mesmo
assustado, ele não contou nada a ninguém, nem para os pais e tampouco para
Caio, era muito orgulhoso para admitir que o novo amigo estava certo.
Naquela
noite, fez uma longa prece antes de dormir, pediu pelo bem de todos e de si
mesmo. Fechou os olhos, mas não conseguiu dormir. Escutou o rangido da porta da
sala se abrindo, ele tinha verificado todas antes de se deitar, mas o Senhor
Sono sempre encontra um jeito de entrar na casa escolhida.
O
abrir da porta foi seguido por som de passos, o garoto não conseguiu lembrar de
prece alguma, estava paralisado pelo medo, as lágrimas queimavam sua face.
Cobriu a cabeça com o cobertor, mas de nada adiantou. Sentiu algo arenoso tocar
seu rosto.
A
visão do Senhor Sono foi a coisa mais aterradora que já vira. Tentou gritar,
mas a voz não saiu. No dia seguinte, sua mãe o encontrou em estado catatônico e
um montinho de areia ao lado de sua cama.
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