Aqui Jaz... - Meg Mendes


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Meg Mendes ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Aqui Jaz...

Meg Mendes


O senhor Martins havia morrido a pouco mais de um dia. A família não media esforços em fingir sentimentos de luto e tristeza. Quando o médico informou que não havia nada mais que pudesse ser feito, Marcos seu filho mais velho ficou satisfeito que o sujeito mesquinho e arrogante a quem ele odiava chamar de pai havia finalmente chegado ao fim. Era como um peso do qual ele se libertava. 

Poucas pessoas foram chamadas para o funeral que ocorreu na casa grande da fazenda do falecido Coronel Martins como gostava de ser chamado por todos.

Os criados seguindo as ordens de dona Mercedes, a mais antiga e governanta da casa, cobriram todos os espelhos antes que trouxessem o corpo do patrão para o velório.

— Já cobri os últimos espelhos da sala onde vão velar o Coronel — disse uma das empregadas quando terminou de entrar na cozinha. 

— Não sei que diacho de mania é essa da Mercedes — retrucou o filho mais novo do falecido. 

Nenhum dos empregados ousavam questionar as ordens ou crenças da senhora que viveu carregando consigo as verdades dos ditos populares. 

— O corpo do patrão chegou — comentou a governanta entrando cabisbaixa. Nunca recebera afeto ou um obrigado decente pelos serviços prestados na casa, mas sempre cumpriu com seu dever cheia de alegria e respeito com os demais empregados que nunca a destrataram. 

Todos os empregados saíram da cozinha em direção a porta de entrada. As poucas pessoas que chegavam para o funeral questionavam quanto tempo mais ainda teriam de ficar ali naquela cerimonia onde visivelmente todos guardavam para si alegria por se livrar do velho.

— Onde posso retocar minha maquiagem? — Uma das jovens que acompanhava o filho mais velho do senhor Martins, perguntou para uma das empregadas.

— Eu acho que a senhorita só vai conseguir mexer com isso depois do funeral — respondeu a criada. 

A moça olhou de forma estranha para ela. 

— Por que?

Tomando cuidado para falar baixo e não se tornar inconveniente, a empregada explicou que dona Mercedes, governanta da casa, trazia consigo a crença de que em casa que está com um defunto, não se pode ter nenhum espelho descoberto. Principalmente aquele que esteja próximo ao corpo. 

— Mas que besteira.

A voz da moça soou um pouco mais alta que o esperado, fazendo com que todos olhassem para ela. 

Alguns devem ter pensado que ela era a única a ter coragem suficiente para comentar o que ninguém deixava transparecer. Que toda aquela cena para eles não passava de uma grande farsa, onde cada um desejava mesmo era estar comemorando ao invés de fingir se importar. 

— Desculpem — ela tratou de se corrigir. 

Marcos que permanecia calado com olhar distraído, meneou a cabeça de forma a confortar a amiga que parecia reprimida pelas pessoas a sua volta. 

— Tudo bem com você? — ele perguntou se aproximando. 

— Sim. Eu só queria passar um pouco mais de maquiagem. 

— Relaxa — disse ele. — Todos aqui precisam. 

Ela não pôde deixar de esboçar um pequeno sorriso. 

Algumas horas se passaram e todos caminharam para a sala de estar onde havia sido preparado um pequeno altar por dona Mercedes para uma oração. Com a chegada do capelão, eles deixaram o caixão com o corpo na sala de jantar onde estava sendo velado para que pudessem acompanhar a reza que fariam pela alma do senhor Martins.

A mulher que acompanhava Marcos percebeu que ninguém notou sua ausência e aproveitou para se olhar em dos espelhos. Notou que havia um na sala atrás do caixão e decidiu que usaria aquele mesmo.

“Não pode ter espelhos a vista diante de mortos, que grande bobagem” pensou ela enquanto olhava para seu reflexo.

Claramente ela não percebeu, mas aquele espelho refletia a imagem do corpo deitado de forma inerte, enquanto acompanhado de seu reflexo a figura sombria e enraivecida do senhor Martins permanecia em pé ao lado da jovem observando seus movimentos despreocupados.

Ali no espelho, estava aprisionado o espectro do velho Coronel que sabia da alegria que sua partida havia causada e com um sorriso macabro que ele deixou à mostra no reflexo criado diante de seu corpo, prometia vingança a todos que ali estavam para zombar de sua morte...

 

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