Aqui Jaz... - Meg Mendes
Aqui Jaz...
Meg Mendes
O senhor
Martins havia morrido a pouco mais de um dia. A família não media esforços em
fingir sentimentos de luto e tristeza. Quando o médico informou que não havia
nada mais que pudesse ser feito, Marcos seu filho mais velho ficou satisfeito
que o sujeito mesquinho e arrogante a quem ele odiava chamar de pai havia
finalmente chegado ao fim. Era como um peso do qual ele se libertava.
Poucas
pessoas foram chamadas para o funeral que ocorreu na casa grande da fazenda do
falecido Coronel Martins como gostava de ser chamado por todos.
Os
criados seguindo as ordens de dona Mercedes, a mais antiga e governanta da
casa, cobriram todos os espelhos antes que trouxessem o corpo do patrão para o
velório.
— Já
cobri os últimos espelhos da sala onde vão velar o Coronel — disse uma das
empregadas quando terminou de entrar na cozinha.
— Não sei
que diacho de mania é essa da Mercedes — retrucou o filho mais novo do
falecido.
Nenhum
dos empregados ousavam questionar as ordens ou crenças da senhora que viveu
carregando consigo as verdades dos ditos populares.
— O corpo
do patrão chegou — comentou a governanta entrando cabisbaixa. Nunca recebera
afeto ou um obrigado decente pelos serviços prestados na casa, mas sempre
cumpriu com seu dever cheia de alegria e respeito com os demais empregados que
nunca a destrataram.
Todos os
empregados saíram da cozinha em direção a porta de entrada. As poucas pessoas
que chegavam para o funeral questionavam quanto tempo mais ainda teriam de
ficar ali naquela cerimonia onde visivelmente todos guardavam para si alegria
por se livrar do velho.
— Onde
posso retocar minha maquiagem? — Uma das jovens que acompanhava o filho mais
velho do senhor Martins, perguntou para uma das empregadas.
— Eu acho
que a senhorita só vai conseguir mexer com isso depois do funeral — respondeu a
criada.
A moça
olhou de forma estranha para ela.
— Por
que?
Tomando
cuidado para falar baixo e não se tornar inconveniente, a empregada explicou
que dona Mercedes, governanta da casa, trazia consigo a crença de que em casa
que está com um defunto, não se pode ter nenhum espelho descoberto.
Principalmente aquele que esteja próximo ao corpo.
— Mas que
besteira.
A voz da
moça soou um pouco mais alta que o esperado, fazendo com que todos olhassem
para ela.
Alguns
devem ter pensado que ela era a única a ter coragem suficiente para comentar o
que ninguém deixava transparecer. Que toda aquela cena para eles não passava de
uma grande farsa, onde cada um desejava mesmo era estar comemorando ao invés de
fingir se importar.
—
Desculpem — ela tratou de se corrigir.
Marcos
que permanecia calado com olhar distraído, meneou a cabeça de forma a confortar
a amiga que parecia reprimida pelas pessoas a sua volta.
— Tudo
bem com você? — ele perguntou se aproximando.
— Sim. Eu
só queria passar um pouco mais de maquiagem.
— Relaxa
— disse ele. — Todos aqui precisam.
Ela não
pôde deixar de esboçar um pequeno sorriso.
Algumas
horas se passaram e todos caminharam para a sala de estar onde havia sido
preparado um pequeno altar por dona Mercedes para uma oração. Com a chegada do
capelão, eles deixaram o caixão com o corpo na sala de jantar onde estava sendo
velado para que pudessem acompanhar a reza que fariam pela alma do senhor
Martins.
A mulher
que acompanhava Marcos percebeu que ninguém notou sua ausência e aproveitou
para se olhar em dos espelhos. Notou que havia um na sala atrás do caixão e
decidiu que usaria aquele mesmo.
“Não pode
ter espelhos a vista diante de mortos, que grande bobagem” pensou ela enquanto olhava para seu reflexo.
Claramente
ela não percebeu, mas aquele espelho refletia a imagem do corpo deitado de
forma inerte, enquanto acompanhado de seu reflexo a figura sombria e
enraivecida do senhor Martins permanecia em pé ao lado da jovem observando seus
movimentos despreocupados.
Ali no
espelho, estava aprisionado o espectro do velho Coronel que sabia da alegria
que sua partida havia causada e com um sorriso macabro que ele deixou à mostra
no reflexo criado diante de seu corpo, prometia vingança a todos que ali
estavam para zombar de sua morte...
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