Vidrados - Morphine Epiphany

 


Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Vidrados

Morphine Epiphany


Josuel acompanhava a chegada da noite com seu andar compassado. O suor descia pela sua testa e o acelerar de seus batimentos, lhe deixava com um sabor extasiado na alma. Carregava um saco nas costas. O odor vibrante do escarlate que vinha do saco, penetrava pelas suas narinas de forma saborosa.

Enquanto caminhava, as poucas árvores e o silêncio lhe faziam companhia. Morava em uma região isolada. Para encontrar algum vestígio humano, precisava caminhar por longos minutos. Era comum passar um carro ou outro, geralmente com viajantes perdidos ou necessitando de combustível ou abrigo.

Ele se aproximou da casa e chegou até a porta. Tirou a chave do bolso e colocou na fechadura. Entrou e não se incomodou com o odor fétido que a casa exalava. Se dirigiu até o andar de cima. Tropeçou nos degraus da escada apodrecida.

O corredor possuía um cheiro insuportável e os ratos desfilavam pelo assoalho naturalmente. O homem chutava os ratos e abria caminho até chegar ao seu destino.

O quarto estava com a porta entreaberta. A voz cansada de uma mulher reclamava das horas. Josuel ficou aborrecido, mas pediu desculpas e adentrou o quarto. A mulher ordenou:

— Coloque no canto esquerdo da estante!

O homem abriu o saco e retirou a primeira cabeça ainda suja de sangue e a colocou na estante. Quando suas mãos seguravam a segunda cabeça, a mulher o interrompeu:

— Espere! Me deixe dar uma olhadinha!

Ele então, entregou a cabeça. A senhora com olhos mortos e a visão meio turva, apreciou o que viu. Sentiu o odor escarlate e fechou os olhos, como se estivesse inalando um prato apetitoso.

Uma espécie de saudosismo tomou conta do semblante da senhora. Josuel soltou um pequeno sorriso, enquanto olhava a calmaria no rosto daquela mulher. A quietude durou algum tempo e aos poucos, ela voltou para a realidade. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Ela tocou a mão de Josuel e fez um pedido:

— Deixe-a comigo! Me fará companhia durante a noite!

Josuel recolheu o saco agora vazio, deu um beijo na testa da mulher e pronunciou bem baixinho:

— Boa noite, mãe!

Ele olhou para a mãe por alguns instantes e depois saiu do quarto. A mulher ficou contemplando a estante recheada de cabeças masculinas, todas com os olhos arregalados em sua direção. Ela admirava sua tenebrosa coleção com entusiasmo. Ficou ali durante algum tempo e quando a exaustão noturna chegou, se despediu das centenas de olhares sombrios.

A cabeça que Josuel deixara em suas mãos, foi acomodada no lado esquerdo da cama. Ela se sentou no lado direito e beijou uma fotografia na mesinha de cabeceira. Era uma fotografia envelhecida de um homem. Soltou um suspiro cansado e disse:

— Boa noite, meu doce Armando! Tenha bons sonhos, querido!

Deitou-se e ajeitou a cabeça suja de escarlate ao seu lado. Deixou a cabeça com os olhos vidrados em sua direção. Deu um beijo na testa cadavérica e disse:

— Boa noite, meu doce Armando! Tenha bons sonhos, querido!


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