Melinda - Morphine Epiphany

 



Cinco. Cinco vogais. Cinco sentidos. Cinco amigos. Cinco escritores. Camila, Meg, Morphine, Naiane e Natasja, esse é o Clube dos Cinco. Eles se reúnem à meia-noite em volta de uma fogueira, abrem uma boa garrafa de vinho e contam histórias.
Morphine Epiphany ergueu sua taça e disse de modo solene: “Declaro iniciada a reunião do Clube dos Cinco. Espero que apreciem a minha história”.



Melinda

Morphine Epiphany


Há muitas décadas, quando as abóboras se iluminavam e o coro infantil repetia ''Doces ou travessuras'', feito um mantra sombrio, a mulher vestida de trevas e fogo, cabelos longos e olhos brilhantes surgia caminhando pelas ruas. Misturava-se entre adultos e crianças fantasiados e transitava entre bruxas, esqueletos, monstros e vampiros, com passos leves quase flutuantes.

Reza a lenda, que Melinda era uma bruxa que sempre praticou feitiços do bem. Ela se apaixonou por um aventureiro que visitava a cidade. Sem ao menos deixar uma carta, o homem se foi e a deixou grávida.

A felicidade da chegada daquela criança era nítida nos cintilantes olhos de Melinda. Na tarde do dia 31 de outubro, ela estava colhendo algumas ervas para preparar um chá e acabou sofrendo um mal súbito. Desmaiou sobre a relva, sem nenhuma pulsação. Em poucos segundos, chamas surgiram ao redor de seu corpo desfalecido. Seus sonhos, sua futura semente e o resto de sua essência foram consumidos em questão de minutos.

No local onde Melinda e seu bebê foram reduzidos a cinzas, uma maldição se instalou. Todos os anos em pleno Halloween, as chamas surgem novamente e Melinda renasce vestida de trevas e fogo, em busca de seu bebê não nascido.

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Era noite de 31 de outubro de 2019, a vizinhança inteira comemorava o Halloween, com as varandas enfeitadas de abóboras, esqueletos de papel e decoração fúnebre. O casarão antigo da Rua T, era naturalmente soturno e causava estranhamento em todos que por ali passavam. Um jovem casal prestes a ter o seu primeiro filho havia acabado de se mudar para o casarão.

O quarto do casal no segundo andar, tornava-se minúsculo diante da agonia em que se instalara no cômodo. Os urros estrondosos de Patrícia ecoavam pelo quarto, misturados ao suor que jorrava de sua pele e ao terror de seus olhos adentrando uma desconhecida terra.

Rubens permanecia em pânico e rezando para que sua esposa e seu filho sobrevivessem.

A parteira fazia de tudo para mantê-la lúcida e vibrante para a chegada de seu bebê, mas a energia vital de Patrícia estava chegando ao fim. O desgaste entre gritos, força e imagens aterrorizantes que preenchiam sua mente e seus olhos naquele momento, roubavam a pouca reserva de vida que ainda lhe restava.

Dezenas de imagens tomavam conta dos pensamentos de Patrícia. Sua mente carregou seu corpo para uma floresta. Ela observava de longe, uma mulher jovem e bonita, com longos cabelos e brilhantes olhos, vestida de branco, colhendo algumas ervas e depois depositando-as em uma cesta.

A mulher colheu vários tipos de ervas e quando preencheu a cesta, começou a cantar, colocou a cesta no chão e começou a acariciar sua barriga imensa. Ela estava grávida.

O adocicado canto da mulher foi interrompido por gritos intensos e uma figura encoberta pelas árvores avançou sobre ela com uma tocha na mão. Patrícia assistiu a mulher sendo jogada no chão e em poucos minutos, o fogo foi crescendo na mesma intensidade em que os seus bramidos aflitos eram abafados pela tortuosa febre da morte.

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O coração de Patrícia estava aos poucos retornando para o mundo dos vivos. A voz da parteira era forte. Rubens segurava a mão de Patrícia e a chamava baixinho de volta para ele. Seu corpo lentamente se firmava na cama e a dor novamente pulsava de forma esmagadora em seu ventre.

Aos berros, a mulher tentava empurrar o bebê e uma energia tentava impedir. Patrícia olhou nos olhos da parteira, enquanto fazia toda a força do mundo e viu uma mulher se aproximando da cama. Vestia-se de preto e chamas vibrantes brilhavam ao redor dela.

Os olhos de Patrícia foram tomados pelo completo horror. Era a mesma mulher que ela viu ardendo em seu delírio. O bebê avançava para o reino dos vivos e Melinda aproximava-se ainda mais do leito. A bruxa sussurrou desconexas frases no ouvido da mulher, os bramidos cresciam, a agonia aumentava, a parteira se empenhava.

Melinda se afastou de Patrícia e o primeiro choro da semente tornou-se audível pelo quarto. A parteira rasgou o fio que unia Patrícia ao filho e segurou a criança no colo. Levantou-se e levou o bebê para os braços da mãe. Assim que, a mulher levantou seus braços para segurar o filho, Melinda agarrou a criança e derrubou a parteira. Sem compreender e sem conseguir enxergar a bruxa, Rubens ficou apavorado e tentou buscar o filho fora de seu campo de visão.

Patrícia começou a tremer freneticamente, com os olhos ficando enegrecidos e uma fumaça escura sendo expelida de sua boca. Rubens gritava pela mulher, enquanto a segurava em seus braços. Os olhos tornaram-se mortos, a fumaça ganhou um cheiro apodrecido e os batimentos de Patrícia se encerraram.

Melinda encarava o bebê e sussurrava em uma língua desconhecida um mantra para acalmar a criança. Com os olhos enegrecidos, o bebê e sua nova mãe, sumiram em uma espécie de círculo rodeado de fogo.


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