Melinda - Morphine Epiphany
Melinda
Morphine Epiphany
Há muitas décadas, quando as abóboras se
iluminavam e o coro infantil repetia ''Doces ou travessuras'', feito um mantra
sombrio, a mulher vestida de trevas e fogo, cabelos longos e olhos brilhantes
surgia caminhando pelas ruas. Misturava-se entre adultos e crianças fantasiados
e transitava entre bruxas, esqueletos, monstros e vampiros, com passos leves
quase flutuantes.
Reza a lenda, que Melinda era uma bruxa que
sempre praticou feitiços do bem. Ela se apaixonou por um aventureiro que
visitava a cidade. Sem ao menos deixar uma carta, o homem se foi e a deixou
grávida.
A felicidade da chegada daquela criança era
nítida nos cintilantes olhos de Melinda. Na tarde do dia 31 de outubro, ela
estava colhendo algumas ervas para preparar um chá e acabou sofrendo um mal
súbito. Desmaiou sobre a relva, sem nenhuma pulsação. Em poucos segundos,
chamas surgiram ao redor de seu corpo desfalecido. Seus sonhos, sua futura
semente e o resto de sua essência foram consumidos em questão de minutos.
No local onde Melinda e seu bebê foram reduzidos
a cinzas, uma maldição se instalou. Todos os anos em pleno Halloween, as chamas
surgem novamente e Melinda renasce vestida de trevas e fogo, em busca de seu
bebê não nascido.
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Era noite de 31 de outubro de 2019, a vizinhança
inteira comemorava o Halloween, com as varandas enfeitadas de abóboras,
esqueletos de papel e decoração fúnebre. O casarão antigo da Rua T, era
naturalmente soturno e causava estranhamento em todos que por ali passavam. Um
jovem casal prestes a ter o seu primeiro filho havia acabado de se mudar para o
casarão.
O quarto do casal no segundo andar, tornava-se
minúsculo diante da agonia em que se instalara no cômodo. Os urros estrondosos
de Patrícia ecoavam pelo quarto, misturados ao suor que jorrava de sua pele e
ao terror de seus olhos adentrando uma desconhecida terra.
Rubens permanecia em pânico e rezando para que
sua esposa e seu filho sobrevivessem.
A parteira fazia de tudo para mantê-la lúcida e
vibrante para a chegada de seu bebê, mas a energia vital de Patrícia estava
chegando ao fim. O desgaste entre gritos, força e imagens aterrorizantes que
preenchiam sua mente e seus olhos naquele momento, roubavam a pouca reserva de
vida que ainda lhe restava.
Dezenas de imagens tomavam conta dos pensamentos
de Patrícia. Sua mente carregou seu corpo para uma floresta. Ela observava de
longe, uma mulher jovem e bonita, com longos cabelos e brilhantes olhos,
vestida de branco, colhendo algumas ervas e depois depositando-as em uma cesta.
A mulher colheu vários tipos de ervas e quando
preencheu a cesta, começou a cantar, colocou a cesta no chão e começou a
acariciar sua barriga imensa. Ela estava grávida.
O adocicado canto da mulher foi interrompido por
gritos intensos e uma figura encoberta pelas árvores avançou sobre ela com uma
tocha na mão. Patrícia assistiu a mulher sendo jogada no chão e em poucos
minutos, o fogo foi crescendo na mesma intensidade em que os seus bramidos
aflitos eram abafados pela tortuosa febre da morte.
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O coração de Patrícia estava aos poucos
retornando para o mundo dos vivos. A voz da parteira era forte. Rubens segurava
a mão de Patrícia e a chamava baixinho de volta para ele. Seu corpo lentamente
se firmava na cama e a dor novamente pulsava de forma esmagadora em seu ventre.
Aos berros, a mulher tentava empurrar o bebê e
uma energia tentava impedir. Patrícia olhou nos olhos da parteira, enquanto
fazia toda a força do mundo e viu uma mulher se aproximando da cama. Vestia-se
de preto e chamas vibrantes brilhavam ao redor dela.
Os olhos de Patrícia foram tomados pelo completo
horror. Era a mesma mulher que ela viu ardendo em seu delírio. O bebê avançava
para o reino dos vivos e Melinda aproximava-se ainda mais do leito. A bruxa
sussurrou desconexas frases no ouvido da mulher, os bramidos cresciam, a agonia
aumentava, a parteira se empenhava.
Melinda se afastou de Patrícia e o primeiro
choro da semente tornou-se audível pelo quarto. A parteira rasgou o fio que unia
Patrícia ao filho e segurou a criança no colo. Levantou-se e levou o bebê para
os braços da mãe. Assim que, a mulher levantou seus braços para segurar o
filho, Melinda agarrou a criança e derrubou a parteira. Sem compreender e sem
conseguir enxergar a bruxa, Rubens ficou apavorado e tentou buscar o filho fora
de seu campo de visão.
Patrícia começou a tremer freneticamente, com os
olhos ficando enegrecidos e uma fumaça escura sendo expelida de sua boca.
Rubens gritava pela mulher, enquanto a segurava em seus braços. Os olhos
tornaram-se mortos, a fumaça ganhou um cheiro apodrecido e os batimentos de
Patrícia se encerraram.
Melinda encarava o bebê e sussurrava em uma
língua desconhecida um mantra para acalmar a criança. Com os olhos enegrecidos,
o bebê e sua nova mãe, sumiram em uma espécie de círculo rodeado de fogo.
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